Ninho de Palavras

Ninho de Palavras

Bruno Moury Fernandes

Conexão Recife-Hoorn

Horácio, amigo querido, foi passar as férias com as crianças na Holanda. Hospedou-se na casa da cunhada brasileira, casada com um holandês de nome russo, Kiril. Filho de mãe francesa – que criou-se na Venezuela –, de pai holandês e neto de russos. Enfim, Kiril é fruto da globalização. Uma mistureba danada. Apaixonado pelo Brasil, treina capoeira, gosta de samba-rock, bossa-nova e fala português fluente com sotaque nordestino.
A estadia de Horácio nos Países Baixos serviu para obter informações e matar a curiosidade acerca da imagem que o Brasil possui por lá. Horácio é curioso e gosta de saber o que pensam sobre nós. Conversou com holandeses, amigos do Kiril, e com brasileiros que lá tentam a vida. Sua “pesquisa” in loco se concentrou em cidade do “interior”, Hoorn. Com grande importância histórica, não é cosmopolita como Amsterdam e Roterdam. Mas estar lá nas entranhas interioranas de um país pitoresco permitiu a Horácio compreender, por alguns dias, como o típico holandês vive e pensa.
Mas o meu amigo descobriu, para a sua decepção, que os loiros estão pouco se lixando para a terra brasilis. A maior decepção foi saber que eles desconhecem o período holandês em Pernambuco. “Meu Deus!”, abismou-se Horácio. Como podem não saber que estiveram a construir pontes sobre os rios que formam o oceano atlântico? Como podem ignorar a terra que possui a maior avenida em linha reta do mundo? Abatido esteve quando soube que sequer somos mencionados nos livros laranjas de história. Quem é do Recife sabe como a indiferença fere. Kiril tentou consolá-lo oferecendo uma cerveja belga. Horácio aceitou e resolveu ouvir mais dos amigos que conhecera há pouco.
Alguns disseram-lhe que as brasileiras andavam nas ruas de biquíni. Outros tinham a certeza que falávamos espanhol. Demonstraram paixão pela nossa natureza e disseram estar curiosos em saber como se constrói cidades em meio às selvas. Afirmaram que merengue e salsa eram nossas danças típicas. Unanimemente elogiaram a beleza da nossa capital federal, o Rio de Janeiro. Ouviram na televisão que nosso país é corrupto e que ladrão julga ladrão, afastando uns aos outros do poder. Também ficaram abismados com um palhaço ter sido eleito ao parlamento, sendo o mais votado. Lamentaram a morte de um jovem líder em queda de avião, no último ano, notícia também veiculada na imprensa local. Foram veementes em dizer terem receio em fazer negócios com brasileiros, ante notícias de corrupção. Foram categóricos em afirmar que o nosso futebol não é mais o mesmo, e que o maior jogador estrangeiro que já vestiu uma camisa de time holandês foi Romário, no PSV.
Horácio passou o resto das férias com raiva daquele lugar. Pelas mentiras e verdades que ouvira. Ora, mas quem mandou abrir boca e ouvidos? Saber que o mundo não gira em torno do seu umbigo foi mesmo uma paulada. Isso não está nos planos de um recifense. “Como esses branquelos ousam não saber tudo de nós?”, perguntava-se Horácio. Satisfeito mesmo só quando viu, nas prateleiras do supermercado, mangas do Vale do São Francisco e melões de Mossoró.
Quem salvou a viagem foi Kiril que, apesar de pensar que as frutas eram da Indonésia e de dizer que a impontualidade de Horácio era tipicamente brasileira, não parava de falar do Recife e do Brasil um só segundo, fazendo perguntas como: “É verdade que Vinícius e Toquinho tinham um caso?”. “Sim”, respondeu Horácio já puto, “um caso de amor com o Brasil”. E Kiril, com a alma mais brasileira do que muitos brasileiros, mais nordestina do que muitos nordestinos e mais pernambucana do que muitos pernambucanos, tentou acalmar o pobre Horácio, adaptando com rara presença de espírito, frase de Vinícius: “amigo, morar no Brasil é ruim, mas é bom demais…especialmente se for no Recife”.

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