Grãos – Como criar uma filha feminista – Por Beatriz Braga

*Por Beatriz Braga

Ela é ainda um grão e eu já espero tanto dela.  Eu sou deliberadamente apaixonada pelo futuro. Acredito no potencial de renovação de cada geração e cada vez que alguém especial engravida, meu coração fica mais esperançoso. Quando ela me disse que estava carregando um ser do tamanho de um grão de lentilha no ventre, imaginei o longo caminho de transformação que ele ainda passaria e desejei que fosse leve. O ser ainda não tem rosto ou pés, mas tenho certeza que o que espera por ele é grandioso: uma noção de respeito e incentivo.

Se fosse homem, aprenderia a respeitar desde o começo e seria incentivado a ser o que quisesse, a aceitar suas características femininas e a se desprender desse conceito de “homem macho”. Sendo mulher, aprenderia a exigir respeito, ser independente e a se amar. Quem sabe, um ou outro, aprenderiam a ser livres e ajudariam a construir um mundo no qual os gêneros não nos definissem.

Acabou que se descobriu menina. Eis o que acho: Moema terá a base para ser forte, para se amar independente de padrões externos e encontrará, em casa, um grande exemplo de sabedoria no qual pode se espelhar.  Assim espero também para Francisco, Alice, Cecília, Bernardo, Benício e Sophia. E todas as crianças do mundo. Afinal, elas são o futuro. Essa última desenhou suas mães e escreveu “o amor é o que importa”. Mais esperta que muita gente adulta, não acham?

Uma amiga, certa vez, disse que não queria ter filha para que ela não passasse por situações parecidas com as que viveu. E completou em seguida: também não aguentaria ter um filho que pertencesse ao círculo machista. Retruquei que, independente de sexo, talvez sua futura cria pudesse fazer a diferença.

Quando soube do grão, reli o livro de bolso da nigeriana Chimamanda Adiche “Para educar crianças feministas”. Eu já havia presenteado a sua mãe com “Sejamos todos feministas” da mesma autora. Na obra lançada este ano, a escritora responde a uma amiga que lhe pergunta conselhos sobre “como criar uma filha feminista”.

Aqui, elenco meus preferidos (não se preocupe com os spoilers, o manifesto tem muito mais a oferecer).

DECIDA O QUE NÃO DIRÁ PARA SUA FILHA

A linguagem é poderosa. Toda vez que as crianças ouvem “você está chorando como uma menina”, “isso é coisa de menininha”, “só podia ser uma mulher”, automaticamente absorvem que ser menina é ser frágil, indefesa, inferior e você entende onde isso vai acabar, não é? Uma amiga de Chimamanda decidiu nunca chamar a filha de princesa. “Princesa vem carregado de pressupostos sobre sua fragilidade, sobre o príncipe que virá salvá-la, etc. Essa amiga prefere ‘anjo’ ou ‘estrela”. Usemos a linguagem a nosso favor.

FAÇA COM QUE ELA LEIA LIVROS. SE PRECISAR, PAGUE POR ISSO.

A filha de uma amiga da escritora não gostava de ler. A mãe, então, pagava cinco centavos por página lida. Mais tarde, disse ela, saiu caro, mas valeu a pena. A dica de Chimamanda é quase simples: leia e sua filha entenderá que ler é uma virtude. Se ela não entender assim, pagar é uma opção. “Os livros vão ajudá-la a entender e questionar o mundo, vão ajudá-la a se expressar, vão ajudá-la em tudo que ela quiser ser – chefs, cientistas, artistas”. Poderoso!

CERQUE-A DE HOMENS E MULHERES QUE COMBATAM ESTEREÓTIPOS (QUALQUER UM DELES)

Crianças se guiam pelos exemplos. Então encontre pessoas que combatam estereótipos e deixe claro o quanto você os admira. Sempre que uma criança conhecer um homem que ama cozinhar e faça isso para toda família, por exemplo, logo vai descartar frases sexistas como “cozinhar é coisa de mulher”. Talvez esse seja seu conselho mais importante: circunde-se de homens e mulheres que possam dar alternativas reais aos modelos de gêneros tradicionais cultuados na sociedade.

SE DESFAÇA DE SUAS PRÓPRIAS AMARRAS

Uma frase curta para o possivelmente maior desafio de uma mãe: “para garantir que a filha não herde nenhuma vergonha sua, você precisa se libertar da vergonha que você mesma herdou”. “Nunca associe sexualidade e vergonha. Ou nudez e vergonha. Nunca transforme a virgindade em foco central. Ensine a rejeitar a associação entre vergonha e biologia feminina”.

Entre vários outros conselhos, a nigeriana sugere que se compre trenzinhos e blocos (e bonecas também, se quiser) e incentive suas filhas a criarem, a serem ativas e a valorizarem suas identidades e aparências.

“Vou tentar”, a destinatária responde. “Eu também”, diz a autora.

Que bom seria se todos nós tentássemos. Para todos aqueles que ainda não perceberam o valor do feminismo, esta frase dessa mulher incrível é a minha preferida: “quando há igualdade não existe ressentimento”.

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