Meninos não serão mais meninos

*Por Beatriz Braga

Um amigo disse-me: “Estou com medo de paquerar, de as garotas acharem que é assédio”. Percebi a grande distância entre nós, homens e mulheres. A razão do receio não é do atual “radicalismo” feminista que “censura o homem” (aspas, obrigada).

A culpa tem nome: cultura do estupro, pela qual não ensinamos os limites claros do respeito aos meninos. E dizemos às meninas que é normal ser assediada, traída, desrespeitada… afinal “boys will be boys”.

Vamos, então, ao be-a-bá.

Depois do Manifesto escrito por um grupo de francesas, entre elas Catherine Deneuve, incomodado com a avalanche de denúncias de assédio no mundo, que elas classificam como uma afronta à liberdade sexual, milhares de pessoas foram à internet explicar a diferença (nada sutil) entre assédio e flerte.

Obrigada às mulheres que apresentaram o que é (ou deveria ser) óbvio ululante. Adiciono alguns lembretes à aula nível básico:

  1. NEM SEMPRE O ASSÉDIO VEM DEPOIS DO NÃO

“Não é não”, lição número um. Porém, muitas vezes, a mulher não tem a chance de negar a investida. É preciso entender que o termômetro do assédio é o incômodo. Por via de regra, o assédio sempre sucede a um algum tipo de poder. E precede a sensação de inferioridade de quem sofre.

Quando, em uma saída para um bar com a equipe, um chefe passou a mão na minha coxa sem permissão, ele sabia que, por algum motivo, eu não o faria passar vexame. Eu não desejava a carícia e aquele “inofensivo” toque no “joelho” mudou a forma como eu me enxergava no trabalho.

Toda vez que caminhamos na rua e um homem nos “seca” de maneira “nada discreta” e nos impele a sensação de querer não estar ali, também é assédio.

Mão boba, olhar depreciativo, um “gostosa” na rua, isso tudo é a ponta do iceberg. Nesses momentos ninguém se sente mais bonita. Nessas horas lembramos o espaço que ocupamos: inferiores aos homens seja pelo cargo, força, contexto (uma rua vazia, por exemplo) ou fama.

Esses homens não estão necessariamente em busca de sexo. Estão fazendo uso do seu poder, como estão habituados.

  1. MULHERES TAMBÉM SÃO MACHISTAS – E SE BENEFICIAM DO STATUS QUO

Ser mulher não é prefixo de feminista, afinal todos nascemos do mesmo berço patriarcal. Há o claro privilégio de ser homem na nossa sociedade e também o de ser mulher em determinadas situações.

Quando se é branca, classe média, com acesso à educação de qualidade, você desfruta de vantagens que lhe mantém, em certas situações, no topo da pirâmide. Muito embora, admitir o privilégio não seja  negar o peso concedido ao gênero.

Simone de Beauvoir disse que tomou consciência do feminismo quando percebeu que gozava das vantagens de ser uma “intelectual”, vinda de família progressista. Quando refletiu que uma secretária não poderia fazer as mesmas coisas que ela (escrever, viajar sozinha, debater ao lado de homens e estudar), entendeu que deveria lutar por quem não tinha voz.

Quando mulheres dizem que basta de assédio e suas vozes surtem efeitos avassaladores, o status quo é ameaçado. Incomoda não apenas aos homens, mas também a muitas mulheres beneficiadas pelo establishment. São justamente essas, cujas vozes ecoam, que deveriam sair de suas zonas de segurança em nome das que não tiveram a mesma sorte.

  1. O MOVIMENTO NÃO É UMA AFRONTA À LIBERDADE SEXUAL

A Marcha das Vadias começou no Canadá em 2011 e virou um dos símbolos do feminismo no mundo, para dizer que a forma como nos vestimos não é um convite, nem nos classifica. Assim como para cravar a nossa liberdade em ser o que quisermos, onde quisermos. Se você não entende que esse é o pilar da nova onda feminista, você não está lendo direito.

A premissa básica é “lugar de mulher é onde ela quiser”, desde que esse lugar não seja uma imposição social e sim a sua escolha. Seja para ser dona do lar, empresária, recatada ou poligâmica.

Quando um homem insiste em uma cantada inconveniente ou passa a mão na bunda de uma colega de trabalho não é liberdade sexual. É, sim, a liberdade que o homem tem de colocar o seu sexo acima de tudo com a certeza de que sairá impune.

  1. A INTERNET É PERIGOSA

Em um item pude concordar com Deneuve e suas colegas: o julgamento na internet é perigoso. Vivemos na era em que é muito fácil estragar a vida de uma pessoa com um post no Facebook.

Por outro lado, ainda vivemos em um mundo onde milhares de pessoas têm suas vidas marcadas, em decorrência de milhares de estupradores que agem tranquilamente.

Será preciso, de uma forma ainda desconhecida, achar a temperatura ideal entre um e outro.

Mas um fato é certo: quando mudamos quem é ouvido, mudamos o status quo. Agora, o momento é de escutar o que, finalmente, mulheres ao redor do mundo criaram a coragem de dizer.

 O basta está apenas começando e ninguém vai pedir desculpas aos homens que foram demitidos depois da onda de acusações de assédio, sejam eles quem forem.

  1. BOYS WILL BE BOYS

Temos essa mania irritante de desculpar as atitudes masculinas.  Há alguns dias, minha mãe via uma comédia romântica na Netflix e, em 10 minutos que sentei junto a ela, ouvi a frase “é que eu sou homem” duas vezes para explicar um desrespeito com a mocinha do filme.  

Justificamos os erros dos homens pela sua natureza biológica, à mesma medida que castigamos as mulheres pelo mesmo motivo.

Para as signatárias do Manifesto, o movimento feminista estaria colocando todos os homens no mesmo saco. Na verdade, a história é outra: estamos começando a pensar que toda mulher poderá ser ouvida, não importa de quem ela vai falar.

O Manifesto não foi um desserviço ao feminismo, é mais um exemplo de que ele está incomodando (lê-se também: funcionando.) Não nos cansaremos, voltaremos ao be-a-bá. Melhor: inventaremos o be-a-bá.

A paquera saudável não morrerá quando o assédio cair em extinção. Se mudarmos nossas atitudes agora, daqui a algumas gerações, nasceremos melhores.

As francesas dizem que as denúncias bebem da ideia infantil de que mulheres “são crianças que precisam de proteção”.

Em um mundo no qual somos mortas, abusadas e estupradas todos os dias por sermos mulheres, é verdade que precisamos de proteção. Principalmente de outras mulheres. Principalmente daquelas cujos gritos atingem volume maior.

Precisaremos, sim, nos proteger, até que não precisemos mais.

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