Arruando pelo Recife

Arruando pelo Recife

Leonardo Dantas Silva

Na capela da Jaqueira (abril/2016)

Se alguns templos pernambucanos se sobressaem pela importância de suas obras de arte, havendo outros que se destacam por sua história, a capelinha de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, na Jaqueira, tem, no seu passado, a marca do romantismo, com a triste história de Maria Theodora e Domingos José Martins.
Neste nosso Arruando vamos até ao Sítio das Jaqueiras, na antiga Estrada de Ponte D’Uchoa, onde o capitão Henrique Martins, em 1766, iniciou a construção dessa capela em honra de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, como demonstram os ex-votos hoje existentes no Museu do Estado de Pernambuco.
Herique Martins era um português, natural da vila de Oeiras, nas cercanias de Lisboa, onde foi batizado em 10 de agosto de 1704, sendo filho legítimo de Manoel Martins e Páscoa Duarte. Era seu pai um mestre sapateiro que trabalhou como caseiro do negociante Jacques Koster, que o mandou por várias vezes a Pernambuco no comércio de tecidos.
Numa dessas viagens, Henrique Martins veio a casar com uma jovem do Recife, Ana Maria Clara, filha do capitão João Machado Gaio e de Ana Gomes de Barros. Passou a ser comerciante abastado no Recife, acionista da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba, com posto nas milícias e nas ordens portuguesas, onde era familiar do Santo Ofício e Oficial da Ordem de Cristo.
Henrique Martins e sua mulher vieram demonstrar grande devoção à Virgem da Conceição. Sendo ele ligado a vários artistas em atividade em Pernambuco, particularmente pela sua atuação como “administrador das obras” da Igreja do Corpo Santo, no Bairro do Recife. Vários ex-votos do século 18, atualmente integrando o acervo do Museu do Estado de Pernambuco, estão a narrar fases de sua vida na qual ele implora pela intercessão da Virgem Maria em seu favor e até de um escravo que, caindo da Ponte d’Uchoa, fora salvo das águas do rio Capibaribe “em dias de agosto de 1770”.
Na construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, no sítio das Jaqueiras, em Ponte d’ Uchoa, vê o professor Ayrton Carvalho o traço do mestre-pedreiro Francisco Nunes Soares, o mesmo que, segundo D. Clemente Maria da Silva Nigra, seria o responsável pelas obras de construção da fachada da Igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda (1761-63), tendo também trabalhado na igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes (1785-86).
Henrique Martins faleceu em agosto de 1782, estando com os seus negócios arruinados, registrando-se um alcance de 8:101$849, retirado da Bula da Santa Cruzada do Bispado de Pernambuco, da qual era ele tesoureiro-mor. Seus bens, dentre os quais o sítio da Conceição da Ponte d’Uchoa (Jaqueiras) e sua capela, foram a hasta pública e arrematados por Domingos Afonso Ferreira.
Em 1816, eram senhores daquela propriedade o rico comerciante português Bento José da Costa e sua mulher Ana Maria Teodora, com atuação em várias irmandades do Recife, inclusive “administradores das obras” da Igreja do Corpo Santo (1801).Trata-se de uma das joias do barroco brasileiro. O templo tem o seu interior valorizado pelo trabalho de artistas, entalhadores e douradores, bem como por raros azulejos portugueses policromados, com cenas de caça, pesca e vida de José do Egito.
No forro, painéis do século 18 retratam o casamento, a anunciação e a assunção de Nossa Senhora e os demais focalizam a padroeira, emblema da Virgem e motivos florais. O púlpito, em estilo rococó, apresenta, em sua face voltada para o solo, um grande sol em talhada dourada. Painéis a óleo sobre madeira representam São João Batista, São Felipe de Néri, Santo Henrique e “um fingimento de púlpito para representação de Santo Antônio pregando.”
Na capela-mor, ornada com um gracioso altar rococó pintado de faiscado, azul, vermelho, branco e ouro, conserva-se a sepultura do coronel Bento José da Costa, “falecido em 10 de fevereiro de 1834 na idade de 75 anos a cuja memória dedicam este monumento sua saudosa esposa e seus 11 filhos”.
Fora esse templo objeto de um Breve de indulgência, datado de Roma de 13 de novembro de 1781, no qual o papa Pio VI concede a todos os fiéis “que verdadeiramente arrependidos de suas culpas, confessando-se e comungando, visitarem a Capela de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras… desde as primeiras vésperas do dia da festividade da mesma Senhora até o sol posto do mesmo dia e aí rogarem a Deus pela paz e concórdia etc.”
Segundo José Antônio Gonsalves de Mello é esse o único documento conhecido, contemporâneo da data da construção dessa capela, com a denominação de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, em alusão ao trecho do rio Capibaribe, margeado por barreiras, onde está localizada.
Saqueada em 1950, ocasião em que foram roubadas todas as portas e janelas internas e externas do andar superior, bem como os armários da sacristia, foi a Capela da Jaqueira restaurada pela diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob a direção do professor Ayrton Almeida Carvalho, com as suas obras conclusas em 1959. Os jardins que a circundam são de autoria do paisagista Roberto Burle-Marx, cujo projeto foi presenteado ao 1º Distrito da DPHAN e executado pela Prefeitura do Recife, na administração do prefeito José do Rego Maciel. Em 1976 foi novamente a Capela da Jaqueira objeto de furto, quando de lá foi retirada a imagem de sua padroeira, que, segundo alguns, passou a fazer parte de uma coleção particular do Rio de Janeiro.
Nessa capelinha, que mais parece saída de um conto de fadas, Maria Theodora, filha do mesmo Bento José da Costa, casou, em 16 de março de 1817, com Domingos José Martins. Na mesma capela, veio Maria Theodora em oração pedir pela sorte do marido, preso na Bahia, por sua participação como chefe da Revolução Republicana de 6 de março de 1817. Condenado à morte, foi arcabuzado em 12 de junho do mesmo ano, juntamente com os mártires padre Miguelinho e o advogado José Luiz de Mendonça.
Do cárcere, na véspera de sua execução, Domingos escreveu para a sua amada um soneto, depois impresso no Recife pela Tipografia de Cavalcanti & Cia. (1823):
Meus ternos, pensamentos, que sagrados/Me fostes quase a paz da Liberdade;Em vós não tem poder a iniquidade,/À esposa voais meus fados. Dizei-lhes, que nos transes apertados,/Ao passar desta vida à eternidade,/Ela d’alma reinava na metade;/E com a Pátria partia-lhe os cuidados.
A Pátria foi o meu Numem primeiro,/A esposa depois o mais querido/Objeto do desvelo derradeiro./E na morte entre ambas repartido/Será de uma o suspiro derradeiro,/E da outra há de ser final gemido.
O gracioso monumento encontra-se hoje localizado no Parque da Jaqueira, em meio de um jardim tomado por mangueiras e jaqueiras, no seu frontispício se vê a grande cruz de Malta, emoldurando o óculo de sua fachada. O conjunto encontra-se inscrito como Monumento Nacional no livro das Belas Artes v. 1, sob o n.ºem 7 de julho de 1938 (Processo n.ºT/38).

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