Arruando pelo Recife

Arruando pelo Recife

Leonardo Dantas Silva

O Engenho de Joaquim Nabuco

Neste arruar pelos caminhos de Pernambuco, eis que sou levado às terras do Engenho Massangana, no município do Cabo de Santo Agostinho, onde, entre 1849 e 1857, viveu o menino Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo, que, nascido no sobrado 119 da atual Rua da Imperatriz, no Recife, aqui viveu os seus primeiros anos. Batizado em 8 de dezembro do mesmo ano, na capela de São Mateus, do Engenho Massangana, recebeu na pia batismal o nome de Joaquim Aurélio, em homenagem ao seu padrinho, Joaquim Aurélio Pereira de Carvalho, casado com dona Ana Rosa Falcão de Carvalho, de quem receberia os cuidados maternos durante os seus primeiros 8 anos de vida.
Essa sua primeira infância foi vivida nessas terras, convivendo com a escravidão africana e a condição de vida de semovente, a que era submetido o indivíduo nascido de útero escravo no Brasil. O bastante para lhe marcar o destino, como ele bem declara em Minha Formação (1909): “Massangana ficou sendo a sede do meu oráculo íntimo: para impelir-me, para deter-me e, sendo preciso, para resgatar-me, a voz, o frêmito sagrado, viria sempre de lá”
Em 1857 o menino é surpreendido com a morte de sua madrinha, Ana Rosa. A morte de sua protetora fez com que o levassem para a casa paterna, no Rio de Janeiro. No seu livro de memórias, o capítulo Massangana vem marcar toda a vida literária de Joaquim Nabuco, fora ele o divisor de águas, entre a infância, cercado de escravos e sentindo nos pés o bagaço da cana que saía das moendas do engenho.
Mas, afinal, o que seria Massangana? Nos dicionários consultados, desde o vetusto Antônio de Moraes Silva (1813) até o clássico Laudelino Freyre, além dos atuais Aurélio Buarque de Holanda e Antônio Houaiss, não se encontram quaisquer registros. No Dicionário Lello (Porto, 1959) aparece Massangano, com a designação de “posto administrativo do concelho de Cambambe, Angola”; servindo ainda para denominar “mau clima; terrenos pantanosos”.
Palavra de origem africana, portanto, que chega até nós através de escravos angolanos para cá trazidos. Consultando o Dicionário Kimbundu-Português, de A. de Assis Júnior (Luanda, s/d), observamos que o vocábulo na sua forma masculina, Massanganu, serve como designativo de “confluência; foz. Lugar onde dois rios se juntam num só: Massanganuma Lukala ni Kuanza”; serve assim para denominar o “antigo concelho (divisão administrativa de distrito; parte de um distrito) da freguesia de Nossa Senhora da Vitória, constituindo hoje a área e sede do posto deste nome, concelho de Cambambe (Dondo), distrito de Quanza-Norte, província de Luanda, compreendida na língua de terra formada pelos rios Lucala e Quanza, na margem direita deste rio”.
Tudo bem de acordo com a denominação do Engenho Massangana, em cujas terras se unem os riachos Massangano e Algodoais, que juntos formam o rio Suape, no Cabo de Santo Agostinho. Mas por que Massangana e não Massangano? O vocábulo Massangana, como designação do engenho da infância de Joaquim Nabuco, já se encontra presente em documentos do século 18.
Ao instituir o Morgado de Nossa Senhora da Madre de Deus no Cabo de Santo Agostinho, em 28 de outubro de 1580, o vianês João Paes Barreto deu início à colonização da sesmaria que lhe fora doada pelo primeiro donatário Duarte Coelho (1535-1554) nela levantando dez engenhos, dentre os quais o Massangana. O mesmo engenho aparece como pertencente àquele morgadio, quando da instalação da Vila do Cabo de Santo Agostinho, em 18 de junho de 1812. Criada por Alvará Régio de 27 de julho de 1811, a vila teve como seu primeiro capitão-mor o sétimo e último morgado Francisco Paes Barreto, futuro Marquês do Recife, que veio a falecer em 26 de setembro de 1848.
Massangana aparece, ainda, em anúncio do Diario de Pernambuco, no qual Dona Ana Rosa Falcão de Carvalho comunica o falecimento do seu escravo, Elias, episódio também anotado por Joaquim Nabuco em seu livro de memórias, ao transcrever parte da carta de sua madrinha comunicando o desenlace ao seu pai, Conselheiro Nabuco de Araújo… “o meu Elias o qual fez-me uma falta sensível, tanto a mim como ao meu filhinho…”.
O vocábulo, que na língua kimbundu serve para designar “confluência, foz; lugar onde dois rios se juntam num só”, a exemplo de tantos outros de origem africana, como maximbombo (Moçambique) que em Pernambuco veio a ser usado como maxambomba, assumiu entre nós a forma feminina pura e simplesmente, sem qualquer interferência de qualquer erudito.
Deve-se tudo, como diria o poeta Manuel Bandeira, à “língua certa do povo/ porque é ele que fala o gostoso português do Brasil” ….
O Engenho Massangana, mais recentemente era propriedade da Usina Santo Inácio, tendo sido desapropriado pelo Incra que o transfere em comodato para a Fundação Joaquim Nabuco, surgindo assim essa Casa Museu. A simpática casa senhorial encontra-se mobiliada com peças do mobiliário pernambucano da segunda metade do século 19, apresentando uma exposição sobre a vida e obra do grande abolicionista, réplicas de retratos e pinturas das suas várias fases, tudo acompanhado de guias especialmente treinados que levam o visitante a conhecer esta parte de nossa história.
Nessa exposição, ali montada por técnicos daquela Fundação, o primeiro senão… Lá está escrito que o nome Engenho Massangana foi uma criação do próprio Joaquim Nabuco, ao escrever o seu livro “Minha Formação” (1911), pura inverdade como já comprovamos anteriormente… pedindo, urgentemente, que o texto do primeiro painel seja reescrito pelos responsáveis (!)
Ao seu redor as casas da senzala aparecem em excelente conservação e, na colina ao lado, a igrejinha de São Mateus está a dominar a paisagem, tendo no seu interior a imagem de seu padroeiro, presenteada pela senhora Vivi Nabuco, neta do próprio Joaquim Nabuco, depois de tomar conhecimento do desaparecimento da escultura original (!).

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