Por uma peinha de nada (por Joca Souza Leão)

2016. O ano em que quase virei um vira-casaca.

Como você e todo mundo, caro leitor, eu também sei pouco, muito pouco, sobre a Islândia. Mas, por algum motivo, não sei qual, sabia-lhe a capital e, até mesmo, como se escreve: Reykjavík.
Dessa Islândia de ouvir-dizer, fiquei sabendo um pouco mais com a transmissão da televisão portuguesa do jogo da Eurocopa em que os islandeses bateram os ingleses por 2 a 1 (se não me falha a memória, em julho).
“A Islândia tem pouco mais de 300 mil habitantes e cerca de 10% deles, 30 mil, estão aqui em Nice, na França, dando um verdadeiro show de alegria e civilidade, torcendo por sua boa, ótima seleção”, dizia o speaker, num jogo que narrava sem nenhuma imparcialidade, mas declarada torcida. E quem nas arquibancadas não torcia pela Islândia? No final, acho, até os ingleses.
No intervalo, a TV portuguesa exibiu um pequeno documentário sobre a Islândia. Cidades e vilarejos com casinhas seculares, sem prédios, sem congestionamentos e sem poluição, grandes parques e lagos. E, meu caro leitor, você não imagina como são feias as lourinhas islandesas.
“Aqui, havia uma cadeia pública. Fecharam-na por falta de presos. Não há desempregados nem desabrigados na Islândia. Todos têm direito à educação e à saúde pública plena e universal. É o país com o maior índice de felicidade do mundo” – disse com convicção o narrador do documentário.
(Enquanto isso, a gente paga caro pelo que se convencionou chamar de progresso, morando em cidades cada vez mais congestionadas, poluídas e violentas. Progresso? É ruim, hein?)
Bem, não é novidade pra ninguém que as coisas por aqui, no Brasil, aí pelo meio do ano, iam de mal a pior. Em campo, então, nem se fala. A gente já tinha até esquecido o 7 a 1 de 2014, o Mineiratzen. Mas, e a era Dunga? Dunga não dava pra esquecer, né? Ele não deixava. Falava.
Como eu não tinha como trocar Dunga, cogitei, confesso, trocar de time. Sempre achei essa história de “pátria de chuteiras” uma das invencionices geniais de Nelson Rodrigues. Patriotada. E não patriotismo. Patriotismo é saúde pública e educação. Na Copa, meu time era o Brasil. Agora, pensei, será a Islândia, porque ela tá dando show de bola dentro e fora dos gramados.
Sem perda de tempo, dei tratos à bola. Escrevi ao primeiro-ministro da Islândia. Expliquei a ele direitinho a situação e pedi autorização para torcer oficialmente pela seleção deles, mesmo que ela não viesse a ser classificada para a Copa de 2018. “Não há de ser nada – disse-lhe – haverei de torcer na próxima Eurocopa e nos jogos amistosos.”
Vã tentativa. Sua Excelência foi diligente e gentil. Agradeceu, mas dispensou minha torcida. Nórdico, mas também político, ele se disse “fã do futebol brasileiro”, até citou Pelé e Neymar. E, em bom e claro íslenska, recomendou-me paciência. E vaticinou: “Dunga vai passar”.
Não é que passou? E eu quase viro um vira-casaca. Foi por uma peinha de nada.

2017. O Brasil volta a ser o país do futebol.

(Por Joca Souza Leão)

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