A primeira vez (por Joca Souza Leão)

Novato de todo eu não era. Já tinha celebrado a “primeira vez” havia algum tempo. Na matéria, digamos assim, tinha o equivalente ao ginasial (fundamental, chama-se agora). Mas o vestibular, mesmo, pra passar de menino pra homem, era a Zona (que os meninos de hoje nem sabem do que a gente está a falar). Na imaginação dos adolescentes de classe média nos anos de 1960, no Recife, era lugar de volúpias sortidas, devaneios e mistérios, mas também de aventuras e perigo.

“Algumas mulheres escondem uma gilete na liga da meia; outras, uma faca embaixo do colchão” – diziam os amigos mais velhos para atemorizar os principiantes. E as doenças venéreas? (Ainda não havia AIDS.) Eu sabia os nomes de todas. E, aqui pra nós, uma blenorragiazinha até que era bem-vinda, para se impor como homem. (Veja só, leitora, leitor, até onde chegava a babaquice dos aprendizes de homem; não por acaso, muitos se tornaram machistas.)

Bairro do Recife (hoje, Recife Antigo, que de antigo guarda pouco). Como no poema de Carlos Pena:

“Ali é que é o Recife / mais propriamente chamado / com seu pecado diurno / e o seu noturno pecado (…) / No andar térreo, moram os bancos / (capitais da Capital) / no primeiro, a ex-austera / Associação Comercial, / no segundo, a sempre fútil / Câmara Municipal / e, no terceiro, afinal, / está a alegre pensão / da redonda Alzira, / a viga mestra da prostituição (…).”
A gente andava de ônibus, mas nesse dia fomos de táxi. No primeiro lance da escada, disparou o coração. No terceiro andar, sossegou. “E aí, meu filho?” Saudou-me a dona da pensão, uma senhora de cara muito pintada, brincos de argolas e um colar com muitas voltas. “É a sua primeira vez?” “Não, senhora. Já sou experiente.” “Alba, minha filha, tem um rapazinho aqui pra você. Cuide dele direitinho.”

Como era mais alta (e os saltos a faziam ainda mais), Alba pôs o braço sobre meus ombros e me levou para uma mesa no salão, onde mal se viam coisas e pessoas, pois vermelha e pouca era a iluminação. Num canto, iluminada, uma radiola-de-ficha dominava o salão.

Alba botou duas fichas pra radiola tocar. E pediu ao garçom dois cubas-libres (rum com Coca-Cola); um pra mim, outro pra ela. Após duas ou três rodadas de rum, levantou-se e me convidou. “Vamos?”

No quarto, tudo ia bem (a julgar pelos indícios, pelo menos); atividades e funções já bem avançadas. Súbito, algo me arrebata o ímpeto. O perfume forte de Alba, o rum, o medo de brochar, o pensamento na gilete, na faca embaixo do colchão… não sei, a luz vermelha, talvez. Problema meu, sei eu, pois Alba se esforçou. Pelos seus préstimos e promessa, dei-lhe mais do que cobrou.
“Isso acontece, gordinho. Eu juro que não conto nada a ninguém.”

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