A teimosia feminina pelo bem do Brasil

Transcorria 1889. Naquele ano, Pedro II seria exilado; ocorreria o Baile da Ilha Fiscal – último da monarquia; a República, aspiração de um povo seria proclamada e o marechal Deodoro da Fonseca feito presidente. A bandeira, o brasão, o hino e o selo nacionais seriam regulamentados. Festejava-se o nascimento de um país soberano.

Apesar de tudo, as mulheres viviam sem rumo na escuridão de um obscurantismo que lhes reservava somente os papéis secundários de procriar e criar filhos, de só opinar quando a isso instada pelo chefe supremo da família. Mesmo assim, vivendo em um ambiente tão adverso, aos 17 anos de idade a jovem Maria Augusta Meira de Vasconcelos se tornava a quarta mulher a bacharelar-se em Ciências Jurídicas e Sociais em todo o Brasil. Tratava-se de uma inteligência privilegiada, que àquela altura da vida, ainda tão cedo, já era poliglota, estudara música e literatura, e ainda conseguia tempo para praticar equitação e esgrima.

Do ambiente acadêmico ao exercício da profissão, porém, existia um longo trecho pleno de obstáculos e incompreensões como logo ela iria comprovar. Diplomara-se, queria advogar, mas o establishment não permitia. Era a velha teoria, talvez com roupagem mais composta, de que lugar de mulher não era nas instâncias criminais, mas na cozinha. Assim, a cada dia a prática advocatícia ficava mais distante e surpreendentemente a oposição partia até dos próprios professores, numa revoltante discriminação.

Por que mulheres não podiam exercer a magistratura? Por serem mulheres, respondia-se naqueles tempos escabrosos.
Ocorre que Maria Augusta era incansável na defesa dos interesses femininos, valendo-se, frequentemente, dos jornais para veicular seus pontos de vista. Mas não só deles.

Começou remetendo cartas ao governador provisório do Brasil e ao marechal Deodoro da Fonseca, mandatário maior do País, sem resultado. No Jornal do Recife, por criticar uma decisão judicial em artigo intitulado Uma Decisão Injusta, recebeu do jornal A Lanceta um ríspido e preconceituoso conselho: abrir um curso para ser melhorada a arte culinária! Dizia mais: “Dar à mulher o direito de voto é dar-lhe a liberdade de tagarelar sobre política, é fazer-lhe a concessão de arengar às massas sobre a carestia dos gêneros e a calvície dos homens, enquanto o lar despovoado fica um deserto, sem a poesia do amor, sem o doce aconchego dos filhos, sem a voz suave e meiga da esposa dando o bálsamo para as mágoas do homem ferido nas batalhas cruentas da vida.”

Passou a comentar também o cenário político do Estado, as transformações imprescindíveis na estrutura da sociedade, a luta pela emancipação feminina e também o desempenho dos senhores deputados “que vagavam pelas ruas da capital enchendo o tempo, para meterem no bolso o que a sorte negava a muitos e garantia a poucos.”

O caminho natural seria enveredar pela política, em uma sociedade retrógrada que propunha às mulheres discrição, pudor, timidez, silêncio…

“Tenho em mente ser candidata à próxima eleição e desde já apresento aos meus bons patrícios os protestos da minha eterna gratidão pelos sufrágios que para este fim me houverem de prestar, certos de que hei de me esforçar pela prosperidade deste país, principalmente deste país, principalmente desta minha terra natal o quanto em mim couber (…)”

Não foi eleita (como era previsível), mas semeou suas ideias, e hoje, se você, mulher, exerce o seu direito de ir e vir – sozinha ou acompanhada –, pode votar e ser votada e possui tantos direitos quanto os homens, é porque mulheres determinadas como ela resolveram encarar o statu quo.

Maria Augusta Meira de Vasconcelos Freire viveu de 1872 a 1942. Foi uma vida que valeu a pena ser vivida.

*Por Marcelo Alcoforado

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