Gabriel Mascaro: “No Brasil, há uma ala dos evangélicos com um projeto de poder muito claro”

Houldine Nascimento

O filme “Divino Amor” estreou no circuito nacional na última quinta-feira (27). Ambientada em 2027, a obra tem a direção de Gabriel Mascaro e, entre outras coisas, se debruça sobre o avanço do protestantismo no estado brasileiro. Tudo isso a partir da experiência de Joana (Dira Paes), uma adepta da religião e muito apegada à fé.

Mascaro concedeu uma entrevista exclusiva à Revista Algomais, em que responde a diversas questões relacionadas ao longa-metragem.

Algomais: Como surgiu a ideia e qual a motivação de abordar o universo dos evangélicos?

Gabriel Mascaro: Eu via cada vez mais crescente o avanço da religião no Estado brasileiro e isso me inquietou como artista, como realizador. Na verdade, essa confusão entre Estado e religião vem de muito tempo atrás.

Algomais: Você falou em um debate em São Paulo que o protestantismo tem um projeto de poder. Gostaria de saber sua opinião a respeito disso.

Gabriel Mascaro: É difícil falar em evangélico como algo estático, acho que são vários evangelismos, várias doutrinas. Cada uma que prega coisas muito específicas. Não dá para tratar como uma coisa única, mas é fato que também há, no Brasil, uma ala hegemônica dentro da comunidade evangélica com um projeto de poder muito claro. Tem uma eficiência, um pragmatismo e uma relação de financiamento que faz ter uma agenda política e religiosa cada vez mais forte no país. E o filme discute esses vários evangelismos, mas também leva em consideração esse projeto de poder dessa religião.

Algomais: Já chegou ao seu conhecimento alguma reação do público evangélico ao filme?

Gabriel Mascaro: Já começou a ter algumas reações distintas. Curioso também é que, na sessão de estreia em João Pessoa, teve uma pastora que era da Igreja Metodista e ela trouxe uma abordagem sobre o feminismo evangélico muito inusitada a partir do filme. Então, o que a gente vê é isso: o evangelismo é uma manifestação muito diversa e não dá para a gente querer generalizar as coisas. Em parte, as reações às vezes são de pessoas que não viram o filme, é muito em função do que leram na imprensa. Acho que é preciso relativizar um pouco isso. O filme foi feito com muito carinho e espero que as pessoas, evangélicas e não evangélicas, possam ir para serem tocadas pelo mundo da personagem, que é muito singular e foi feito com muita honestidade. É uma mulher de fé e que leva sua crença até as últimas consequências.

Algomais: Já que você puxou para a protagonista, então queria que você comentasse essa escolha de Dira Paes.

Gabriel Mascaro: A Dira foi maravilhosa, eu acompanho o trabalho dela há muito tempo. É uma atriz inteligentíssima e tem uma bagagem cinéfila surpreendente. Foi incrível poder contar com essa atriz que respira e transborda cinema, sabe? Ao mesmo tempo, Dira tem uma coisa especial que é atuar com o coração aberto, para uma personagem que acredita na fé e está disposta a doar corpo em nome dessa fé. Ela consegue atuar sem nenhum julgamento da personagem.

Algomais: Nesse filme, você acaba repetindo a parceria com o diretor de fotografia Diego García e esse trabalho está muito alinhado com o design de produção. Há uma conexão nesse sentido. Você pode falar a respeito?

Gabriel Mascaro: A gente tinha um desafio muito grande no universo visual do filme porque a Igreja Evangélica no Brasil nega a tradição da arte sacra [da Igreja Católica] Apostólica Romana. Eles não têm os objetos, as esculturas religiosas, não têm a adoração a santo nem imagem de quadro religioso. É uma igreja muito minimalista, muito contemporânea, que é galgada na ideia da palavra, da fé e da experiência emocional entre pastores e fieis. Então como pensar visualmente essa religião em 2027? A gente tinha um desafio muito grande que era imaginar a experiência da espiritualidade. No começo a gente trouxe esses elementos da iluminação, da cromática do filme, da fumaça, das músicas. Todo um ingrediente capaz de produzir uma experiência sensorial nesse filme, trazer a espiritualidade que a gente utilizou para demonstrar essa prática ritualística. O neon aqui é pura luz.

Algomais: O filme acaba mirando o futuro, mas acerta o presente em alguns pontos, não é?

Gabriel Mascaro: Pois é. Uma pergunta bem curiosa porque a gente começou a pesquisa quatro anos atrás. A gente rodou o filme antes de Bolsonaro sair como candidato. É um filme realmente feito tentando pensar e especular um estado de coisas que eu já vinha observando que, mais cedo ou mais tarde, poderia passar por esse avanço da agenda conservadora. Mas o filme é uma alegoria, claro. É como eu tento reler essa influência da cultura evangélica no Estado brasileiro. Que bom que a gente conseguiu fazer um filme muito vivo e que possa estar o tempo todo conectado e oferecendo recurso para pinçar o presente, mesmo se passando no futuro. E eu acho que esse é o lugar da arte. A arte não tem que trazer resposta, não tem que responder o presente. A arte tem que fazer perguntas.

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