Bacia leiteira encontra no queijo a saída para a crise

Na área mais seca do município de Jupi, no Povoado Colônia, o pequeno produtor Adriano Melo, 39 anos, e sua família criam nove vacas e possuem uma produção artesanal de queijo coalho. O nome do sítio é Boi Morto e as águas da região são salgadas. Mas em meio às dificuldades naturais, que se agravaram nos últimos anos de falta de chuvas, ele conseguiu desenvolver, com orientação técnica, um produto que foi eleito o melhor do Estado em três categorias (sabor, textura e aroma), na feira da Agronordeste do ano passado. O trabalho bem-sucedido foi coroado recentemente também com o selo de certificação da Adagro (Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco). O reconhecimento permite a Adriano comercializar o queijo para todo o Estado e com desconto no ICMS, além de proporcionar um valor agregado à sua produção. Uma história de sucesso familiar que representa um movimento de recuperação lenta, mas sustentável da Bacia Leiteira de Pernambuco.
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Instalado na área mais seca do município de Jupi, Adriano (na foto com o filho Anderson) se capacitou e o queijo que produz é considerado o melhor de Pernambuco.

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O setor de produção e processamento de leite no Estado está retomando a produtividade perdida nos extensos anos de seca e caminha para uma melhor competitividade das queijarias artesanais. A capacitação de pequenos produtores de leite e queijo e o incentivo público para comercialização dos seus produtos têm qualificado essa produção e facilitado a sua chegada ao consumidor final. O incentivo à criação de caprinos é outro horizonte ainda pouco explorado, mas com grande potencial de expansão segundo os especialistas.

A produtividade de leite de Pernambuco ainda está longe dos seus tempos áureos, mas cresceu 14% em 2018, segundo a Adagro. O Estado fechou o ano com uma produção diária de 1,8 milhões de litros de leite, frente a 1,68 milhões no início do ano passado. Antes do prolongado período de seca, o volume produzido chegou a aproximadamente 2,5 milhões por dia, de acordo com informações do Sindileite (Sindicato das Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados do Estado de Pernambuco).

“A redução não foi culpa do produtor, mas da estiagem prolongada”, justifica o empresário e vice-presidente do Sindileite, Carlos Albérico Bezerra. “Os açudes das propriedades secaram de 95% a 98%. A pastagem não floresceu e com isso houve essa redução forte. Estamos saindo dessa grande seca. A esperança de ser um ano melhor é muito grande, mas as informações dos principais centros climáticos ainda não confirmam um ano mais chuvoso”, ressalva Bezerra. Sua empresa, a Integração Agropastoril, processa entre 10 mil e 12 mil litros por dia, de produção das fazendas próprias e de pequenos produtores fornecedores. O leite destina-se, principalmente, para a merenda escolar das prefeituras, além de hotéis.

O prolongado período de estiagem acabou provocando uma verdadeira “seleção natural”, em que só sobreviveram os empresários e os animais que melhor se adaptaram a esses tempos de vidas secas. “O setor está se reerguendo com uma genética melhor, um produtor mais especializado e um consumidor mais consciente. E isso tudo está vindo junto com mais formalização”, analisa Vânia Freire Lemos, coordenadora operacional do Centro Tecnológico de Laticínios do Itep (Instituto Tecnológico de Pernambuco), em Garanhuns. Ela explica que a falta de chuvas “filtrou” os rebanhos e as pessoas que atuavam no setor. “Sem alimento ou água, se retêm os melhores animais. Os piores não resistem ou o produtor teve que retirá-los. Isso selecionou muito o rebanho, permaneceram os melhores. Já os produtores que não tinham expertise ou se capacitaram ou tiveram que sair do setor”.
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Vânia Freire, do Itep, afirma que o setor está se reerguendo, com genética melhor, produtor mais especializado e consumidor mais consciente. Na foto também o universitario Johny Ferreira, que faz estágio no Itep e planeja atuar no setor de laticínios.

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Vânia ressalta ainda que essa retomada acontece no momento em que a economia brasileira também dá os seus primeiros sinais de reequilíbrio. “Estamos saindo de uma crise e quando começa a melhorar o consumo, o produto lácteo é o primeiro que passa da gôndola para o carrinho do consumidor. Isso incentiva o produtor”.

O economista Pedro Neves de Holanda ressalva que há uma grande estagnação nesse mercado não só em Pernambuco, mas em todo o País e no mercado internacional, onde o preço ficou praticamente congelado nos últimos anos. “O consumo no Brasil foi enfraquecido devido à recessão econômica. Com menor demanda e rebanho, Pernambuco precisa investir em tecnologia e produtividade para alcançar uma melhor presença no mercado. No Brasil a expectativa é que a oferta e a demanda se ajustem com a retomada do crescimento”, estima.

Apesar da recuperação em andamento, os produtores locais estão enfrentando uma queda dos preços. O presidente da Sociedade Nordestina de Criadores, Emanuel Rocha, afirma que o litro de leite, que já custou R$ 1,50, hoje está sendo comercializado por R$ 0,90. Uma baixa que vai na contramão da inflação do valor dos insumos do setor.

Essa situação é reflexo do aumento da produção leiteira nacional. Outra causa é a importação de leite em pó por grandes indústrias, o que confronta a política de incentivos fiscais que beneficia essas empresas. Tais incentivos foram concedidos a companhias que se instalaram em Pernambuco, desde que, como contrapartida, fizessem a captação de 50% de leite fluído dos produtores de Pernambuco.

“A permissão de fracionamento do leite em pó foi uma iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para atender uma demanda do Semiárido. Contudo, gestão está sendo feita junto ao ministério para revogação dessa normativa, a qual tem sido bastante prejudicial aos nossos produtores de leite e derivados”, explica o pesquisador Sebastião Guido, do IPA (Instituto Agronômico de Pernambuco).

Para enfrentar o baixo preço, muitos criadores têm optado pela produção de queijo, que oferece melhor rentabilidade que a venda de leite in natura. Opção que também foi incentivada pelo Governo do Estado. A Lei nº 16.276/2017 criou condições mais favoráveis aos pequenos produtores, com incentivos à formalização, o que abre novos mercados e os isenta de ICMS.

De acordo com o diretor-presidente da Adagro, Paulo Roberto de Andrade Lima, uma queijaria, uma usina, um posto de refrigeração e até uma granja leiteira podem ser enquadradas entre os beneficiários dessa lei. “Com o decreto, 165 estabelecimentos já foram visitados pela Adagro para requerer o registro ou a construção de um novo estabelecimento. Desses, 15 já receberam a licença definitiva e 38 declarações para comercialização temporária”, explica. Antes da redação atual dessa lei só as fábricas de laticínios estariam contempladas.

O queijo Mulungu, do produtor Adriano dos Santos, mencionado no início da reportagem, por exemplo, conseguiu aprovação. Apesar de ter qualidade, antes como não havia regularização, seu produto era comercializado sem nenhuma marca e apenas nas feitas livres locais. Agora pode ser vendido em mais estabelecimentos e sem cobrança do ICMS.

Além do incentivo fiscal e da regulamentação, o salto de competitividade desse produtor aconteceu principalmente por meio da capacitação. Incentivado por uma consultoria do Sebrae, Adriano, que veio de uma família de agricultores, se dedicou a fazer um curso de 100 horas no Senai Garanhuns para melhorar sua produtividade. O resultado é que mesmo na simplicidade do seu sítio, Adriano tem planos arrojados. Planeja instalar um sistema de energia solar para economizar na conta de luz, aumentar a produção de “palma forrageira” para garantir a nutrição dos animais e investir na criação de tilápias, que se adapta ao tipo de água disponível na sua região. Ele já fez também um pequeno investimento para ter a ordenha mecânica dos animais.

“Não adianta reclamar de onde se vive. Tem que buscar o jeito de produzir no seu lugar. É preciso buscar alternativas. Se alimentar o animal com algo que é bom, seu leite será bom. Para isso, minha estrutura está crescendo aos poucos. A vaca não dá muito lucro, mas não deixa faltar a feira”, esclarece Adriano.

Para agregar mais valor ainda ao leite produzido em Pernambuco, o Itep realizou no ano passado algumas oficinas para produção de queijos maturados e de outros laticínios. Houve até uma turma de produtores locais para aprender a fazer queijo do reino, que tem alto valor agregado, grande consumo no Nordeste, mas uma produção praticamente inexistente.

Outro destaque são as experiências como o queijo maturado com cachaça, com vinho ou com cerveja realizadas pelo instituto. Para contribuir com a consolidação da imagem da região como produtora de laticínios, o Itep está criando uma Exposição Permanente de Queijos, que no futuro deve se tornar um museu, com degustação de produções artesanais e maturadas..

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