Educação que transforma: da venda de feijão à reitoria da UPE

No pequeno município de São João, no Agreste, nasceu em 1964 o atual reitor da Universidade de Pernambuco, Pedro Falcão. Pela falta de condições financeiras, o parto aconteceu em casa, com o auxílio de uma parteira. Filho de uma família humilde, em que seu pai trabalhava comercializando feijão nas feiras, ele teve oportunidade de avançar na formação acadêmica a partir do apoio de um tio, que financiou seus estudos num colégio particular em Garanhuns e, posteriormente, na sua preparação para o vestibular no Recife. Até chegar ao posto máximo dentro de uma das maiores instituições de ensino superior do Estado, foram muitas idas e vindas entre o interior e a capital. Uma trajetória cheia de nuances que ele nos contou com muito humor.

“Terminado a quarta série primária do ensino fundamental na rede pública, meu tio João Carlos disse que era melhor que eu estudasse num colégio particular para ter uma melhor formação. E me levou para estudar em um colégio de destaque de Garanhuns, pagando meus estudos”, conta o reitor. O trajeto diário para o colégio em Garanhuns era inicialmente numa Rural, depois numa Kombi, junto com várias crianças que faziam o mesmo roteiro. As vezes, pela quantidade de estudantes, ele lembra que alguns seguiam para as aulas na mala do veículo.

O passo seguinte rumo à universidade seria deixar sua cidade natal para intensificar os estudos no ensino médio e nos preparatórios pré-universitários na capital. Mas, quando era adolescente, Pedro já ajudava o pai na venda dos feijões em São João e nas feiras outros municípios vizinhos. “Desde os 7 anos meu pai me levava para ajudá-lo a vender feijão nas feiras nos dias que eu não tinha atividade de aula. Mas quando terminei o ensino fundamental, meu tio sugeriu me levar para estudar no Recife. Meu pai pensou: E agora? E quem vai me ajudar a vender o feijão? Mas me permitiu seguir. Vim morar no Recife, com uma tia, juntamente com três primos que também vieram buscar melhores escolas. Essa tia não tinha também muitas condições de se manter sozinha e era ajudada pelos irmãos para ficar no Recife e cuidar das crianças”.

Após os preparativos no Recife, veio a aprovação no vestibular para o curso de Ciências Biológicas na Universidade Federal Rural de Pernambuco. “Já dentro da universidade fui procurando fazer estágios e consegui uma ajuda de custo destinada à estudantes carentes. Era uma bolsa para prestar serviço em um laboratório (em um projeto de controle de pragas). Depois me tornei também monitor”.

Após esses primeiros passos, um tio o apresentou ao professor da UFPE e pesquisador da Fiocruz, o biólogo André Furtado, docente com grande produção científica. A ideia era submeter um projeto de pesquisa para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e conseguir uma bolsa. A proposta que traria uma renda temporária e uma oportunidade de ter mais conhecimentos de laboratório não foi aprovada. Mesmo sem o apoio financeiro, Pedro pediu para estagiar na universidade com o projeto, sendo orientado pelo professor André.

O seu mentor assumiu a função de vice-diretor do tradicional Centro de Pesquisas Ageu Magalhães. E o jovem universitário de São João ficou meio que esquecido, seguindo com o projeto na universidade. Quando vieram os resultados, ele os levou para o professor André. Os dados causaram surpresa no orientador e resultaram em um convite para levar todos os equipamentos para o laboratório da Fiocruz, onde ele daria continuidade às pesquisas.

Com a conclusão do seu curso superior, ele foi convidado para seguir como bolsista na Fiocruz, em um grupo de pesquisa que estimulava projetos estratégicos para o Nordeste. Pedro Falcão topou e começou a trabalhar na área de controle da filariose no Recife. Em paralelo, estudava para seleção do mestrado. Passou inicialmente para o Rio Grande do Sul, mas ele veio a seguir sua vida acadêmica mesmo na área de Biologia Celular e Molecular pela Fundação Oswaldo Cruz. O curso era no Rio de Janeiro, mas como era modular, ele não precisou se mudar do Recife.

Além das naturais dificuldades acadêmicas de qualquer mestrando e das restrições financeiras de quem vive de bolsas de estudos, durante o mestrado Pedro Falcão enfrentou ainda uma crise de apendicite que o levou a uma cirurgia de urgência. Ele saiu do procedimento com uma infecção hospitalar que quase o levou a morte. “Isso atrasou minha defesa em seis meses, pois foi uma fase de recuperação muito difícil”, relatou.

Com a aprovação do mestrado, já casado e com uma filha, seu mentor, o professor André Furtado, estava prestes a sair da direção da Fiocruz. Pensativo sobre o risco de ficar sem trabalho na capital, Pedro planejou a volta para o interior. “Meu tio que pagou meus estudos ficou bravo”. Mas com o diploma embaixo do braço, o comércio de feijões não era o destino em sua mente. Ele voltou ao interior para atuar como professor, dando aula em um preparatório para vestibular em Garanhuns, além de assumir a vice-direção de uma escola municipal em São João. Ainda vinha dois dias à capital para prestar serviços para a Prefeitura do Recife, em um projeto de controle de vetores e nas segundas-feiras pela manhã ajudava seu pai, já idoso e doente, na venda de feijões em uma feira.

A vida corrida que ele já tinha construída no agreste não era o real objetivo no seu retorno ao interior. Desde que morava no Recife, ele observava a Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns, que posteriormente se tornaria a UPE Garanhuns. “Eu, com experiência de pesquisa, pensava comigo: rapaz, se eu entrasse aqui iria fazer miséria (risos). Se eu conseguir entrar aqui, venho embora. Arrumei meu currículo e mandei para o diretor Luiz Tenório”. A instituição, bem acanhada, não tinha nenhuma experiência de pesquisa. “Quando ele viu meu currículo, me disse: Não é você que está atrás de emprego. Essa faculdade precisa de um cara feito você”. Bem sincero e objetivo, Pedro respondeu: “Se você conseguir umas aulas aqui que dê para comprar o leite da minha menina, eu venho”.

O primeiro passo na instituição que abriu o caminho na UPE só veio um ano depois dele já ter retornado ao Agreste, após ser aprovado em um concurso público. Ele começou limpando e reorganizando o laboratório. Depois dando aulas e desenvolvendo projetos, que levaram a ciência para além dos muros da faculdade. Depois vice-diretor da instituição. E finalmente diretor da UPE Garanhuns. O prédio de 24 salas de aulas, ganha novas 32 e um auditório. Os professores passam a ser estimulados a fazer mestrados. “A aquela escola tímida passou a ser movimentada o dia todo”, conta o reitor.

Nesse período, a faculdade cresceu em pesquisas e extensão, em oferta de cursos de pós-graduação e passou a coordenar a expansão do processo de interiorização da UPE, que começava a abrir novos campi no Agreste (em Caruaru) e Sertão (em Salgueiro). Um tempo em que ele divide o trabalho com os estudos do doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências, pela Universidade Federal da Bahia.

“O ex-governador Eduardo Campos teve a proposta nessa época de criar uma unidade da UPE em cada uma das 12 microrregiões do Estado. O então reitor Carlos Calado me informou que seriam criadas Arcoverde e Serra Talhada. Ambas vinculadas à direção de Garanhuns. Mesmo com muitas dificuldades, colocamos para rodar tudo”. Diante desse trabalho, ele chega ao Recife, onde trabalha no apoio das pró-reitorias com o professor Calado.

Posteriormente ele teve ainda uma experiência breve como Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado e em seguida foi o nome escolhido para sucessão da direção da universidade, assumindo a reitoria em 2015. O primeiro reitor oriundo de uma unidade do interior do Estado. Nos últimos quatro anos a universidade dobrou o número de publicações científicas, sendo destaque nacional, de acordo com a Capes, não apenas na produção acadêmica, mas também na internacionalização da sua atuação e na colaboração na indústria.

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*Por Rafael Dantas, repórter da revista Algomais (rafael@algomais.com)

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