“Diante da falta de memória do povo, uma saída que podemos oferecer é o jornalismo e a literatura.”

“Um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”. A frase do filósofo Edmund Burke se encaixa bem com a falta de memória ou o desconhecimento dos brasileiros so bre fatos passados. Uma realidade perigosa que chega ao extremo de haver pes soas pedindo a volta da ditadura militar. Daí a importância de livros como Queridos Rivais, do jornalista Sérgio Montenegro. A obra aborda a União por Pernambuco, uma aliança entre PMDB e PFL ocorrida nos anos 90 que parecia impensável na época. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Sérgio relembra esse período da política pernam bucana e do País, analisa as consequências dessa coligação e fala um pouco sobre a importância de revisitar a história.

A aliança entre PMDB e PDS, que permitiu eleger, por via indireta, Tancredo Neves presidente da República, abriu ca minho para outras alianças como a União por Pernambuco?
Com certeza, sim. Tancredo Neves, na época, era do PMDB, José Sarney havia presidido a Arena e, com a volta do pluripar tidarismo, migrou para o PDS. Aquela aliança só aconteceu por causa da rebeldia de alguns pedessistas – todos apoiadores do regime militar – que divergiram da candidatura de Paulo Maluf pelo partido. Entendiam que Maluf tinha a simpatia da caserna e poderia representar uma continuidade do regime, indeseja da naquele momento em que se negociava a redemocratização. Em princípio, eles defendiam que o partido lançasse a candida tura do ex-ministro Mário Andreazza, mas foram derrotados. Então, saíram do PDS e formaram a Frente Liberal, que não era partido ainda, para apoiar Tancredo Neves. A condição imposta ao PMDB para esse apoio foi a composição da chapa, com a indicação do vice: José Sarney. E assim foi feito o acordo.

No mesmo ano da eleição de Tancredo/Sarney, que aconteceu em janeiro de 1985, houve a disputa para prefeitos de capitais. No Recife, havia uma disputa interna no PMDB entre dois deputados federais pela indicação como candidato: Jarbas Vasconcelos e Sérgio Murilo Santa Cruz, que se articulou com o PFL local – então já registrado como partido – formando uma espécie de reedição da aliança feita em torno de Tancredo, e conseguiu a indicação. Jarbas, então, saiu do PMDB para o PSB, numa manobra comandada por Miguel Arraes, que via no aliado um importante reforço no Recife para a sua própria candidatura a governador no ano seguinte. Jarbas venceu a eleição, ironicamente derrotando a aliança PMDB-PFL. Menos de 10 anos depois, ele mesmo articulava uma aliança com os pefelistas no Estado.

Na sua opinião, quais as consequências que a aliança PMDB-PFL trouxe para Pernambuco?
A principal delas foi a eleição – e reeleição – de Jarbas Vas concelos como governador, mantendo o comando do Estado por mais ou menos uma década, embora quando da negociação da aliança tenha havido falas mais otimistas de que aquele seria um projeto de poder para no mínimo 20 anos. A aliança também garantiu a eleição de Roberto Magalhães para a Prefeitura do Recife em 1996, e a vitória de vários prefeitos no Estado liga
dos aos dois partidos, o que reforçou muito a gestão de Jarbas. Em termos administrativos, a aliança promoveu avanços em Pernambuco, como a duplicação da BR 232 – mesmo tendo que ser feita com dinheiro estadual, embora fosse uma rodovia fe deral – e ajudou a interiorizar vários vários investimentos que geraram  desenvolvimento nos municípios mais distantes. Também ajudou a estruturar o Complexo de Suape e melhorou a fruticultura no São Francisco, onde a família Coelho, de maioria pefelista, tinha e tem sua principal atividade econômica.

Mas, no livro Queridos Rivais, contesto a justificativa dos idealizadores da aliança de que ela havia sido feita com a finalidade de desenvolver o Estado. Ela foi feita com um objetivo de derrotar Miguel Arraes e seu grupo político, adversário de Jarbas Vasconcelos e dos pefelistas, e tomar deles o comando do Estado. Jarbas tinha o projeto político de ser governador, mas seu partido estava enfraquecido em Pernambuco, principalmente no interior, depois da derrota sofrida em 1990, quando o PFL elegeu Joaquim Francisco governador, derrotando o próprio Jarbas. Mas em 1992, Jarbas deu a volta por cima e se elegeu prefeito do Recife com facilidade, já pensando na disputa pelo governo dois anos depois.

O PMDB tinha um nome para 1994, o de Jarbas. Mas não tinha bases políticas suficientes. Já o PFL, dispunha dessas bases com folga, mas não tinha um candidato forte para enfrentar Arraes, candidatíssimo pelo PSB. A aliança era, então, uma dobradinha perfeita. Mas, quando as eleições para governador se aproximaram, as pesquisas indicavam que seria muito difícil vencer Arraes. Jarbas desistiu de disputar e apoiou Gustavo Krause, do PFL. Ele sabia que se sofresse uma derrota para Arraes em 94 não teria mais chances de chegar ao Governo do Estado.

Bolsonaro se elegeu com um discurso de fazer “a nova política”, sem se aliar a partidos que faziam o que ele chamava de “velha política”. Mas acabou aliando-se ao Centrão. A política brasileira está fadada às alianças?

Jair Bolsonaro era um deputado federal com sete mandatos quando foi candidato a presidente em 2018. Jamais poderia se apresentar como “novo”. Mas seus marqueteiros souberam explorar

um sentimento de desilusão, sobretudo depois que o PT, apesar de dois governos bem-sucedidos e muito bem aprovados de Lula, passou a ser alvo de denúncias de corrupção. Bolsonaro, assumidamente de direita, soube explorar esse antagonismo, responsabilizando as esquerdas por tudo de ruim que acontecia no País, e prometendo mudar a vida das pessoas, com um discurso persecutório e excludente, que usava a polarização e o ódio político como combustível, aditivado ainda pelo uso de fake news.

Em 2018, ele não tinha o apoio do Centrão, que preferia nomes menos radicais. A maioria do bloco ficou com o tucano Geraldo Alckmin, mas houve apoios ao banqueiro Henrique Meirelles, do PMDB, a Álvaro Dias, do Podemos, e até a João Amoêdo, do Partido Novo. Na época, confortável no seu favoritismo, Bolsonaro dizia que o Centrão era “o que há de pior na política”, e criticava a prática de loteamento de cargos que os “centristas” tanto apreciam. Mas, em 2020, se vendo enfraquecido politicamente, ele aderiu ao que chamava de “velha política”, distribuiu cargos e verbas públicas aos integrantes do Centrão. Mas essa é uma aliança frágil, porque se vier um processo de impeachment, ou mesmo se o desgaste do presidente aumentar mais, o Centrão, com seu pragmatismo, pode pular fora rapidinho.

LEIA A ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO 178.5 DA REVISTA ALGOMAIS: ASSINE.ALGOMAIS.COM

 

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