Cidade pensada por elas

A revisão do Plano Diretor do Recife levou em consideração a voz das mulheres. Elas, que já são maioria da população da capital pernambucana (54%), também foram maioria entre os representantes do poder público e da sociedade civil nas discussões que resultaram no projeto que está em tramitação na Câmara dos Vereadores. Mas, por que propor um olhar de gênero para a agenda urbana? O fato é que as cidades foram construídas historicamente pelos homens e para os homens, como demonstram estudos acadêmicos. Uma realidade que contribuiu para o cenário atual de vulnerabilidade feminina em que 88% das mulheres no Brasil já sofreram assédios nos espaços públicos, segundo pesquisa do Instituto YouGov.

A secretária da Mulher do Recife, Cida Pedrosa, foi uma das mobilizadoras da participação feminina nas proposições do Plano Diretor. Ela explica que a presença delas nesse debate é necessária, porque a transformação urbana não pode ser pensada apenas pela ótica masculina. “O homem se desloca na cidade diferente das mulheres. Ele se locomove principalmente de forma pendular, do trabalho para casa e vice-versa. As mulheres andam mais devido às suas múltiplas tarefas. Trabalham, pegam os filhos na escola, levam a mãe ou sogra ao médico, fazem compras. São elas que empurram as cadeiras de rodas e os carrinhos de bebê pelas calçadas. Logo, estão muito mais sujeitas às violências nos espaços públicos”.

Lalesca dos Santos, universitária e funcionária da Universidade de Pernambuco, é uma das participantes da representação civil nas discussões do novo Plano Diretor do Recife. Diante da insegurança da cidade, nos seus deslocamentos, diários ela segue de transporte público até uma região de grande movimento e completa sua viagem chamando um motorista via aplicativo até a porta de sua casa. A razão disso? Medo.

“Não nos sentimos seguras na cidade. Isso não é apenas no Recife. O problema é cultural e estruturante do nosso País. O maior temor é de ser violentada. É além do assalto, da retirada de um bem. É uma questão de dignidade feminina”, explica. O estudo do YouGov apontou que 44% das brasileiras já tiveram seus corpos tocados em público.

Uma das defesas das mulheres é por espaços públicos com mais pessoas e ruas mais iluminadas, por exemplo. “A cidade não é segura para ninguém, mas o Recife é um lugar muito escuro. Nós denunciamos muito isso. Somos assediadas nos transportes públicos e nas ruas, principalmente à noite. As periferias seguem lutando por melhorias nas políticas públicas”, afirma Ediclea Santos, coordenadora geral do Espaço Mulher, que funciona no bairro de Passarinho, na zona norte do Recife.

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Ediclea Santos é a coordenadora geral do Espaço Mulher

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Cida Pedrosa afirma que há premissas básicas para uma cidade ser segura. “É preciso obedecer a alguns critérios arquitetônicos que são comprovados mundialmente. Por exemplo, a cidade precisa ter uma iluminação para a altura do pedestre, para as calçadas. No Recife, a iluminação nas ruas é para os carros”, afirma.

Foi sugerido, ainda, que o poder público mapeie as áreas subutilizadas para que sejam ocupadas por praças e postos de saúde, por exemplo, pois os terrenos baldios aumentam o risco da mulher ser vítima de violência. “Toda área com mais gente é menos violenta. É importante incentivar espaços de usos mistos. Quanto mais múltiplo e mais usado, mais seguro será. Ter prédios residenciais com a face baixa ocupada por comércios, academia, com uma fachada viva, ao invés de um muro de três metros, dá uma maior sensação de segurança”, diz Pedrosa.

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Cida: “O homem se desloca do trabalho para casa e vice-versa. As mulheres andam mais devido às suas múltiplas tarefas. Logo, estão mais sujeitas à violência nos espaços públicos.

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Além disso, está na pauta das mulheres a ampliação dos investimentos na infraestrutura viária e de transporte público, como nas paradas e na melhoria dos serviços de ônibus e metrô, de forma a reduzir a superlotação, que é um ambiente mais propício para o assédio.

Mas as sugestões foram para além da mobilidade. Segundo Lalesca, foi sugerido que no caso de divórcio dos casais, a titularidade dos terrenos seja das mulheres. “É uma proposta de regularização fundiária, pois hoje, quando acontece a separação, as mulheres ficam com a guarda da crianças e os homens com a posse dos bens. Isso foi discutido e colocado no Plano Diretor”, informa. As participantes das discussões prophttp://portal.idireto.com/wp-content/uploads/2016/11/img_85201463.jpgam também aumentar a oferta de creches e escolas em áreas indicadas pela população feminina.

A inclusão de propostas com essa perspectiva de gênero para o Plano Diretor do Recife foi considerada por Cida Pedrosa um passo importante na luta das mulheres pelo seu espaço nas cidades. A aprovação da lei e o acompanhamento das transformações nas áreas urbanas são os passos seguintes nessa caminhada que não é só delas.
Para saber mais sobre a tramitação do plano diretor e acerca das propostas das mulheres, acesse: www.planodiretordorecife.com.br

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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