Em “Divino Amor”, Gabriel Mascaro constrói um Brasil futurista

Houldine Nascimento

A carreira do diretor pernambucano Gabriel Mascaro é bastante prolífica: com apenas 35 anos, já assinou nove filmes, entre curtas e longas documentais e ficcionais. Seu mais novo trabalho, “Divino Amor”, chega ao circuito comercial nesta quinta-feira (27). No começo deste ano, a coprodução entre o Brasil e mais cinco países passou por festivais importantes, como Sundance e Berlim, e arrancou elogios da imprensa internacional.

Com elementos de ficção científica, Mascaro realiza um exercício de imaginação sobre o Brasil. A trama se passa em 2027 e o país, ainda descrito como laico, é dominado pela visão de mundo evangélica. Joana (Dira Paes) é escrivã de cartório. Muito apegada à sua fé cristã, enquanto recebe casais em litígio, tenta dissuadi-los da ideia e atua para a reconciliação de vários deles, convidando-os para um culto.

Casada com o florista Danilo (Julio Machado), Joana busca de diversas formas ter um filho e, assim, fortalecer seu casamento. Para isso, utiliza expedientes que ajudam na sua fertilidade e na do companheiro. Um deles é a troca de experiências com outros casais em crise, com base em rituais religiosos e carnais. Essa tentativa inicialmente fracassada provoca dilemas sobre a sua crença. Ao agir para a manutenção de casamentos e não ser “recompensada” com a dádiva de maternidade, a protagonista passa a questionar a relação com Deus.

Em determinadas cenas, Mascaro aposta na sensualidade dos personagens, embora o sexo seja visto como algo sublime. Essa construção feita pelo diretor, imbuída de erotismo ao retratar um segmento religioso com hábitos conservadores, salta aos olhos do espectador e promete suscitar fortes reações a respeito. Os caminhos adotados pela narrativa, no entanto, condizem com o cinema de Gabriel, notabilizado pela audácia.

Nesses momentos há um balé de corpos em consonância com o que já foi visto em seus outros trabalhos ficcionais, “Ventos de Agosto” e “Boi Neon”. É interessante observar os detalhes empregados pelo realizador na trama. É um futuro extremamente informatizado, com situações curiosas, como a presença de um drive-thru de oração, ao qual a protagonista recorre com frequência, e de raves cristãs, aqui chamadas de “festa do amor supremo”. A burocracia também é observada sob essa perspectiva não convencional.

A história é guiada por uma narração em off que se justifica ao final. Para construir este universo peculiar, Gabriel Mascaro repete a parceria com o diretor de fotografia mexicano Diego Garcia e aposta novamente num tom neon, além da prevalência de uma trilha sonora eletrônica. Ele usa um famoso episódio bíblico e traça um paralelo com a crença protestante no retorno de Jesus Cristo, visto como o Messias.

Apesar de “Divino Amor” ser anunciado como um filme futurista, o enredo conserva semelhanças com o momento por que passa o Brasil. O protestantismo é a religião que mais cresce no país, conforme Mascaro aponta através de suas lentes, em razão da grande organização política dentro dessa denominação. A ascensão contínua dos evangélicos, que representam mais de 22% da população brasileira, de acordo com o último censo, realizado em 2010 (um número hoje maior, a ser detectado no próximo levantamento), está atrelada a isso e à forte presença desse segmento em áreas em que o Estado está ausente, caso notório das periferias.

Nesse sentido, é muito pertinente que o audiovisual lance um olhar mais agudo sobre o protestantismo, como “Divino Amor” se propõe, mesmo ao fazê-lo de maneira fantasiosa. Assim, destoa de produções anteriores, que chegaram a abordar essa religião sem a profundidade merecida.

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