Capibaribe luta contra a poluição

Através deste mar/ vou chegando a São Lourenço/ que de longe é como ilha/ no horizonte de cana aparecendo (…)/Navegando este mar/ até o Recife irei,/ que as ondas deste mar/ somente lá se detém. Na série de reportagens Rio da Resistência, chegamos com João Cabral de Melo Neto, em seu poema O Rio, ao trecho mais urbano do Capibaribe. Entre seus desafios e belezas, o curso d’água mais simbólico de Pernambuco é alvo de projetos de revitalização, estudos acadêmicos e da mobilização de parte dos recifenses.

Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Capibaribe, Alexandre Ramos, há três desafios vitais dessa passagem metropolitana. “Há uma questão mais institucional, que é implantar instrumentos para realizarmos a governança da água. O engajamento dos prefeitos e prefeitas para a revitalização do rio faz parte disso. A coleta e o tratamento de esgotos e o reflorestamento são os outros fatores essenciais. Está provado cientificamente que plantar árvores (nas margens) é como plantar água”, defende. Um trabalho em andamento do comitê é sensibilizar os prefeitos para assinarem uma carta de compromisso em defesa do Capibaribe. Até o fechamento desta edição, 23 chefes do poder executivo municipal já tinham assinado.

Alexandre Ramos é o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Capibaribe. Foto: Tom Cabral

Em São Lourenço, primeira cidade visitada por Cabral na sua descida pela Região Metropolitana do Recife, aconteceu recentemente um trabalho educativo da ONG Recapibaribe com escolas públicas. Tendo sua sede no Capibar, um bar às margens do rio no bairro do Monteiro no Recife, a ONG realiza há 20 anos um trabalho de coleta de lixo e de sensibilização ambiental. “Se houvesse mais ações educativas ao longo dos 42 municípios onde o rio passa, a população sentiria mais vontade de cuidar dele”, considera a presidente da organização Socorro Catanhede.

Na sua atuação no Recife, a ONG chegou a retirar de uma só vez 600 toneladas de lixo. O espaço recebe visita de escolas para educação ambiental e nos eventos em datas especiais, como no Dia do Meio Ambiente, são recolhidos alimentos não perecíveis. A arrecadação de dinheiro ou de cestas básicas é destinada a pescadores que têm no rio, hoje poluído, a sua fonte de renda. “Nosso trabalho é uma junção dos três pilares da sustentabilidade: econômico, ambiental e social. Buscamos resgatar a cidadania dos pescadores”, afirma Socorro. Os resíduos já eram percebidos por Cabral no poema: Via-me, rio, passar/ com meu variado cortejo/ de coisas vivas, mortas,/ coisas de lixo e de despejo.

Para o professor Fernando Porto, do Departamento de Zootecnia da UFRPE, o acúmulo de resíduos no Capibaribe, associado às recentes mudanças climáticas, representa um grande risco de agravar os alagamentos no Recife, com impactos também na saúde dos seus moradores. Ele conta que os índices pluviométricos da cidade têm-se concentrado num período menor de tempo (o volume de chuvas que caía entre quatro e cinco meses está caindo em apenas dois meses). “Toda a área urbana do Capibaribe enfrenta esse problema dos lançamentos de lixo e esgoto. Quando ocorrem as chuvas mais intensas e o rio não consegue drenar, a cidade fica alagada. Lixo, animais, como ratos, e os fluidos de veículos se diluem com essa água, o que expõe a população ao contágio de doenças”.

Pós-doutor em biologia marinha, Porto afirma que o acúmulo dessa carga difusa de plásticos, borrachas, madeiras tem sido consumida pela vida marinha. “Nos plânctons (microrganismos) do rio venho notando uma imensa quantidade de microplástico. Isso está sendo estudado nos últimos anos como um perigo para o metabolismo humano. Por meio dos esgotos, eles chegam nesses ambientes e os peixes podem comê-los. E isso acaba chegando na alimentação humana”.

Um contraponto positivo da cidade, segundo o professor, é que o Recife concentra a maior área de manguezal urbano na América do Sul. “O Capibaribe está a cada dia mais fino, com suas margens sendo diminuídas. Mas o manguezal é um ativo importante que precisa ser mantido, é necessária uma política mais séria para conservá-lo. Ele capta boa parte da chuva que se acumularia nas ruas. Sem ele, a cidade pararia e ficaria ainda mais caótica nos dias de chuvas”, sentencia.

AFETIVIDADE
De Apipucos à Madalena, Cabral apresenta um Capibaribe diferente do que via até então. Agora vou entrando/ no Recife pitoresco,/ sentimental, histórico. No olhar do poeta, são bairros que trazem uma experiência mais contemplativa do rio. Estão neste caminho, Apipucos, Poço da Panela, Casa Forte, Madalena, Jaqueira.

Esse trecho, intensamente habitado, tem sido alvo de um dos maiores projetos de revitalização da cidade, o Parque Capibaribe. O projeto da Prefeitura do Recife, em parceria com o Inciti – Pesquisa e Inovação para as Cidades, da UFPE, propõe a criação de um sistema de parques integrados por 30 quilômetros nas margens do Capibaribe. Uma iniciativa de longo prazo que tem a pretensão de fazer os olhos dos recifenses se voltarem para o rio.

A primeira entrega foi a construção do Jardim do Baobá, nas Graças. “A receptividade e apropriação desse pequeno parque, de 100 metros, é surpreendente. Imagine o impacto de um quilômetro de margem com esse padrão, com terraços de contemplação, um píer maior”, sugere o secretário executivo de projetos especiais da Secretaria de Meio Ambiente do Recife, Romero Pereira.

O próximo passo será o trecho entre as pontes da Torre e da Capunga, que será licitado neste semestre e as obras, previstas para durar 18 meses, devem começar no segundo semestre. A PCR planeja outros trechos do parque. “Queremos ter o projeto pronto para buscar recursos para a sua implantação”, conta Romero.

Outro trecho dessa região está sendo revitalizado pelos próprios moradores. Trata-se do Jardim Secreto, um projeto da Associação dos Moradores e Amigos do Poço da Panela prestes a completar um ano. Em fase de planejamento das hortas para o local, o espaço passará também a ter a oferta de aulas gratuitas de alongamento, dança e ginástica funcional a partir deste mês. “Espaços públicos se tornam bem utilizados quando nos tornamos os verdadeiros protagonistas da cidade que sonhamos e queremos. Acreditamos que através deles podemos promover mais igualdade social, mais segurança, mais saúde, cultura, arte e preservação da natureza”, afirma Raynaia Uchôa, jornalista e integrante do coletivo.

GENTE

Amaro e Maria de Lourdes Dantas vieram de Santa Cruz do Capibaribe para o Recife na década de 50. Foto: Arthur de Souza

Os retirantes que descem com Cabral desde a nascente do Capibaribe são um destaque à parte no poema. Ao entrar no Recife,/ não pensem que entro só./ Entra comigo a gente/ que comigo baixou/ por essa velha estrada/ que vem do interior.
O poeta, ao se aproximar do mar, conta que essa gente se espalhou para as margens de outros rios, como o Beberibe e o Tejipió.

Gente como o casal Amaro Elias e Maria de Lourdes Dantas, que vindos do meio rural, chegaram ao Recife em busca do trabalho que faltou no interior devido à seca. Nascidos em Santa Cruz do Capibaribe, migraram na década de 50. “A situação no interior estava muito apertada. Piorou até o momento que precisamos sair. Aqui no Recife passamos tempos melhores, tempos piores. Chegamos bem na velhice”, conta Amaro. Após morar em Santo Amaro e na Imbiribeira, foram para a periferia, em Passarinho, onde revivem num pequeno sítio um pouco da experiência menos urbanizada que tinham nas cidades de origem. A gente da cidade/ que há no avesso do Recife/ tem em mim um amigo,/ seu companheiro mais íntimo“, narrou Cabral.

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