Entrevista: “A geração Z não está imunizada das armadilhas do mundo digital”

Mais tempo nas redes sociais e conectados, mais preocupados com o futuro (e com o presente), mais ansiosos e tensos. A Geração Z está com os nervos à flor da pele como revelou uma pesquisa da änimä e da On The Go recentemente. A partir das revelações desse estudo com mais de 400 jovens e adolescentes brasileiros, conversamos com o psicólogo Rodrigo Lima para entender como esse momento da pandemia afetou esse público e o que fazer para atravessar esse momento ainda anormal com menos sofrimento.

Tínhamos uma percepção de que a geração Z não era ligada em trabalho fixo, por exemplo. Não estava preocupada com alguns dos alvos de desejo dos jovens da geração passada. Mas uma pesquisa recente realizada pela änimä e pela On The Go apontou que mais da metade dos adolescentes e jovens de 15 a 18 anos quer uma profissão estável. O que estaria promovendo essa mudança de comportamento? A insegurança da pandemia pode ter afetado essas perspectivas para vida profissional?

Para entendermos melhor essa equação complexa, primeiro precisamos salientar algumas características da geração Z e em que mundo essas pessoas estão inseridas. Diferente dos nascidos na geração X (1960-1980) e Y (1985-1999) a Geração Z é nativa da tecnologia. No mundo onde nasceram não existe uma realidade sem internet, computadores ou smartphones. O fácil acesso à informação e o poder de argumentação gerados dessa enxurrada de possibilidades a qual são expostos diariamente caracterizam essa geração como questionadora dos padrões estabelecidos pelas gerações passadas. Padrões esses que se estendem ao mercado de trabalho. Apenas o salário no fim do mês já não é o suficiente para motivar essa geração quando o assunto é emprego. Valores como flexibilidade de horários, ambientes dinâmicos, plano de saúde e, principalmente, propósito de impacto são necessidades crucias para uma vida “feliz” no âmbito profissional. Entendo que as consequências da pandemia no mercado de trabalho colocaram uma lupa que ampliou a urgência de suprir as necessidades básicas do ser humano. O medo de não ter recursos para alimentação, moradia e saúde são fatores que pressionam o jovem a abrir mão desses valores vistos como secundários por outras gerações para ir em busca do dinheiro e estabilidade. Apesar da gravidade da situação em que vivemos, vejo que a médio e longo prazo esse cenário tende a favorecer os jovens a criar soluções criativas e tecnológicas que promovam a busca por estabilidade financeira, sem se desgarrar dos valores tão importantes e característicos da Geração Z. Como exemplo desse movimento, podemos observar o mercado milionário de streaming de jogos eletrônicos e da utilização do poder de influencia nas redes socias como um trabalho que vem se solidificando cada vez mais e que cresceu avassaladoramente nos tempos de pandemia.

O isolamento social impactou a todos, mas mesmo essa geração tão conectada e imersa nas redes sociais está sofrendo. A pesquisa disse que: “Quase 70% dos jovens estão à flor da pele, sentindo-se tristes, inseguros, ansiosos, nervosos ou com alteração de sentimentos, o que gera um alerta para as famílias, escolas e médicos sobre a necessidade de apoiar o jovem durante este momento e no período pós pandêmico.” Qual a relação da pandemia com esses sentimentos, mesmo numa população tão digital?

Precisamos compreender que o fato de a geração mais jovem ser nativa da tecnologia e conseguir navegar com mais facilidade não a imuniza das armadilhas contidas no mundo digital. Podemos observar que o poder de influência que as redes sociais provocam nas crianças a adolescentes tendem a gerar sérios problemas psicológicos nesses indivíduos quando não existe uma supervisão de conteúdo e exposição adequada. Com a vinda da pandemia, as possibilidades de expressão ficaram ainda mais limitadas à vivencia digital. Espaços como escola, escolinhas de esportes ou simples se divertir na rua foram retirados do repertório já limitado de uma geração que passa maior parte do tempo na frente de uma tela. É crucial para o desenvolvimento de habilidades biopsicossociais a troca, a experimentação a referência do contato com outro ser humano. Apesar da tecnologia possibilitar o contato a distância com imagem e som de alta qualidade, algumas coisas são insubstituíveis e promovem um espaço singular no nosso crescimento.

O que fazer para atravessar esse momento com menos sofrimento e mais equilíbrio? É possível?
Primeiramente aceitação. Precisamos aceitar que estamos aprendendo a lidar com tudo isso e não temos respostas prontas pra essa situação, seja pela perspectiva de um adolescente ou adulto estamos sujeitos aos desafios e desabores do mundo através da pandemia. Criar espaços de convivência que privilegie o momento fora do mundo digital, mas sem deixar de reconhecer a necessidade de haver o espaço digital supervisionado. O dialogo ainda é uma ferramenta de ouro. Não adianta proibir, arrancar e negar a importância do espaço tecnológico. Essa é uma realidade que veio pra ficar, mas não quer dizer que não possa ser melhor ajustada para um funcionamento saudável. Nunca deixe de avaliar a possibilidade de buscar uma orientação profissional. A boa intenção de ajudar não deve sobrepor a importância da avalição de um profissional de saúde.

A pesquisa indicou que “42% dos jovens estão passando mais tempo nas redes sociais, mas mais da metade diz sentir falta dos amigos, da vida de antes e da rotina de escola ou trabalho, deixando claro a falta que faz o contato físico, algo que o digital não pode substituir. 30% dos jovens relacionam o mundo atual à imagem de pessoas conectadas em seus celulares e, dentre esses, 40% relacionam a atividade ao tédio, indicando que o celular serve como refúgio, mas não ajuda a melhorar o ânimo”.
O mundo real e o mundo virtual na cabeça dos jovens estão mais misturados do que imaginávamos? Alguma coisa te surpreende nessa revelação? Qual o impacto dessa vida imersa nas redes sociais no comportamento dos jovens e adolescentes nessa pandemia?

Várias pesquisas vem correlacionando o tempo de exposição a rede sociais com o menor indicie de felicidade da população. A relação é simples, quanto mais tempo expostas às telas, menos satisfeitas com suas vidas as pessoas sentem. O mundo editado das redes socias provoca uma falsa sensação de vida perfeita no qual muitas vezes o indivíduo se sujeita a viver e a se comportar de forma similar em busca desse desejo de autorrealização.
Sem sombra de dúvida a parcela mais afetada por esse impacto são os jovens e adolescente que estão em fase de construção de suas personalidades e acabam sendo fisgados por esse tsunami de “exigências” para se sentir pertencente nesse espaço. Tem sido cada vez maior a incidência de casos transtorno depressivo, ansioso, transtornos alimentares, distúrbios do sono e dependência de jogos eletrônicos nessa faixa etária. Situação preocupante que se agravou com a pandemia e o isolamento social.

A titulo de conhecimento o Brasil foi classificado pela OMS no ano de 2019 como país mais ansioso do mundo com 18,3 milhões de pessoas que sofrem com o transtorno ansioso. No mesmo ano fomos o segundo país a passar mais tempo online no mundo segundo a “Hootsite” e a “We are social”. A média te tempo online do brasileiro é de 9,3 horas por dia enquanto a media global é de 6 horas. Há de se imaginar que em números atualizados devemos estar mais ansiosos e utilizando ainda mais nosso tempo na internet.

Quero deixar claro que a tecnologia não é a vilã dessa história. A grande questão está na forma que estabelecemos nossa relação com o aparato. Cabe a nós entendermos a medida da substância para que o uso seja o remédio e não o veneno.

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