Jomard Muniz de Britto, o eterno contestador

Quem passa pelas imediações do bairro da Boa Vista, no Recife, acostumou-se a ver Jomard Muniz de Britto, sempre com suas camisas estampadas e óculos de lentes grossas, distribuindo para os apressados transeuntes os seus Atentados Poéticos, poemas escritos em máquina de escrever e xerocados. No estilo, o mesmo jogo de palavras, o humor, a contestação e a fusão entre poesia e filosofia que caracterizam a produção desse pop-filósofo, agitador cultural, poeta, cineasta e eterno tropicalista.
Costuma “cometer” seus atentados ao menos uma vez por mês, quando algum fato o motiva. Mas por que esse nome? “Não sou poeta, sou leitor de poesia. Comecei a fazer esses textos e para não chamar de poemas, dei esse nome, porque atentados me lembram Jean-Luc Godard (cineasta francês do movimento da nouvelle vague), me lembram mais algo relacionado ao cinema. Acho que aqueles que se assumem poetas acreditam na importância deles e da poesia que eles fazem. Eu gosto muito de contestar essas coisas todas”, justifica.

A vida e a obra desse “não poeta” foram marcadas por contestações dos padrões culturais estabelecidos, algo muito presente, por exemplo, no seu premiado curta-metragem O Palhaço, produzido na efervescência do movimento Super 8. Vestido a caráter do personagem circense, ele declamava críticas na Casa de Cultura à realidade brasileira e pernambucana e a ícones como o sociólogo Gilberto Freyre. Emblemática também foi sua desavença com o escritor Ariano Suassuna. Afinal, Jomard, era um representante pernambucano do tropicalismo, movimento disseminado no Brasil por Caetano e Gil, que defendia a “antropofagia” da produção cultural brasileira com a cultura pop. Algo refutado pelo autor d’ A Pedra do Reino, como uma americanização da nossa arte.

Mas, passadas tantas décadas, Jomard fez as pazes com Ariano nos anos 80, quando voltou a dar aulas na UFPE, após ser anistiado. E quanto a Freyre? “Ele tem uma obra fantástica, mas a doutrinação que fizeram dela, afastava a gente. Ele já era um mito e a gente não gostava de curtir essa mitologia. A gente queria discutir, contradizer, mostrar as arestas positivas e negativas dessa mitologia”.

Tanta contestação acabou aproximando-o do também contestador cineasta Glauber Rocha. “Quando chegou ao Recife, ele foi até a redação de um jornal local para saber onde me encontrar”. Um encontro que produziu uma profunda amizade que influenciou sua obra. Também marcante foi sua aproximação com Paulo Freire. Jomard, graduado e licenciado em Filosofia pela Universidade do Recife (atual UFPE), foi professor na instituição e participou das ações do Serviço de Extensão Cultural (SEC) para alfabetização de adultos moradores da periferia no sistema criado pelo educador pernambucano no início dos anos 1960.

“A palavra alfabetização Paulo Freire cortou. Ele queria fazer uma educação integral, no que denominou de círculos de cultura. Não supervalorizava as aulas expositivas dos professores, mas um sistema em que o conhecimento e a arte dos alunos eram levados em consideração”. Um método que após o golpe militar de 1964 foi considerado subversivo demais a ponto de ocasionar a prisão de Paulo Freire e do próprio Jomard.

Encarcerado no Forte das Cinco Pontas, o filósofo teve como companheiro de cela o político Gregório Bezerra. O experiente militante costumava consolá-lo. “Ele dizia: ‘você está aqui de passagem, eu vou demorar mais’”. Profecia concretizada, Jomard foi liberado 20 dias depois, porém o governo militar foi implacável ao determinar a aposentadoria precoce compulsória do seguidor de Paulo Freire, na UFPE, em 1964 e em 1969 na Universidade da Paraíba, onde também era professor. Jomard só retornou às salas de aula nas duas instituições depois da Anistia, em 1979,

Ainda hoje, em meio a tantas atividades que realizou com seu irrequieto talento, ser professor é a sua maior paixão. “O que eu mais gostava era de dar aulas, mas não uma aula convencional, mas aquelas do círculo de cultura”, confessa.

Para quem, como Jomard, já vivenciou os revolucionários anos 1950 e 60, contestou – como se dizia à época – o status quo, subverteu o protagonismo do professor em sala de aula e combateu o regionalismo pernambucano com o tropicalismo, será que considera os dias atuais mais caretas? A resposta veio com o seu conhecido jogo de palavras: “Careta ou carente? Talvez a caretice seja por excesso de carência de tudo, até de pensar, de sentir. Vivemos num tempo em que tudo é muito rápido. Não sei distinguir caretice da carência”.

Às vésperas de completar 82 anos no mês que vem, JMB, como costuma se autointitular, comemora a longevidade. “Chegar a esta idade é pensar que já podia ter morrido, é uma benção dos deuses”.

*Por Cláudia Santos, editora da Algomais (claudia@algomais.com)

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