O contrário do feminismo é a falta de coragem (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie decidiu, ao perceber o peso do rótulo “feminista”, ironicamente se intitular “feminista feliz e africana que não odeia homens, e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma e não para os homens”. Já a autora americana Roxane Gay foi mais concisa. Se autodeclarou “má feminista” e tem um livro com esse nome.
Vivemos em um mundo que nos enxerga como potes de margarina. Amamos rotular e definir categorias para que possamos nos agrupar. Mas somos ruins nesse ofício. A começar por presumirmos que a humanidade inteira se encaixa em duas classificações: homem e mulher.

Chimamanda Ngozi Adichie
Chimamanda Adichie percebeu o peso do rótulo de ser feminista

Outro fato é que as pessoas enxergam “machista” como o contrário de “feminista”. Vejo mulheres recusando a alcunha e homens assumindo o machismo porque ou se é um ou se é o outro. Com essa polarização, muita gente perde a chance de desconstruir padrões.

Feminismo é a luta pela igualdade e quebra da hierarquização dos sexos. O oposto do machismo é o femismo, ambos acreditam na superioridade do respectivo gênero.

Antes, o rótulo “feminista” me incomodava. Não me julgava digna como as mulheres que queimaram sutiãs, como Dandara que lutou pelo seu povo, como Simone, Betty, Virginia, Mary Wollstonecraft. Quem sou para me apropriar do título? Logo eu que, volta e meia, me descubro machista em pequenas situações.

Até que entendi o que Gay quis dizer com “má feminista”. Ela quer chamar atenção para os pedestais que colocamos nossos ídolos. Aderir à luta não significa não falhar. A escritora tem uma lista de contradições, de ouvir funk depreciativo à acreditar em contos de fada. O importante, diz ela, é se esforçar para fazermos boas escolhas.

Podemos continuar ouvindo Naiara Azevedo, cantora brasileira que afirmou que o homem é a cabeça e a mulher é o pescoço. Ou podemos valorizar os artistas que acreditam na igualdade. A indústria se transforma quando o mercado consumidor exige. As músicas legais e pegajosas continuarão a existir mas, quem sabe, com rimas melhores.

Se você realmente acredita na equidade, você é quase um(a) feminista. Mais do que acreditar, é preciso agir. E não entenda “agir” como “ir a uma reunião de mulheres tatuadas com pelos no sovaco” como ouvi de um homem. Entenda como se importar menos com estereótipos e fazer parte da mudança.

Feministas não são só mulheres que aceitaram seus pelos. São elas e também existem as que usam salto, amam rosa, gostam de sertanejo, as que trabalham fora e as que escolheram ficar em casa e cuidar dos filhos. São as que acreditam na liberdade de ser o que quiserem. Podem também ser homens que têm coragem para, por exemplo, em um grupo de amigos, contestar a piadinha e o desrespeito.

Eu sou feminista e sei que parte disso é lutar contra o machismo que ainda me habita e que me cerca. Sou membra da corrente invisível que une àquelas mulheres incríveis ao papel que tomei para mim: focar nas pequenas atitudes em todos os níveis do meu dia a dia.

O contrário do feminismo é a falta de coragem. Para ir contra o status quo; “estragar” um jantar a dois ou falar sério em uma mesa de bar; quebrar silêncios e preconceitos; denunciar; ensinar; agir; constranger; ser repetitiva e, mais importante, ter coragem para assumir as próprias contradições e lutar incansavelmente contra elas.

Um dia, quem sabe, aconteça a todxs o que aconteceu com Gay. “Estou tentando ser melhor na maneira como penso, e no que digo e faço, sem abandonar tudo que faz de mim um ser humano”, disse a autora na palestra “Confissões de ser uma feminista ruim”.

beatriz-braga

*Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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