O que é brega? (por Marcelo Alcoforado)

Brega, aprendemos desde as lições primárias, substantivo e adjetivo de dois gêneros, é termo pejorativo, aplicável a que ou a quem não tem finura de maneiras; é cafona, de mau gosto, sem refinamento, de qualidade reles, inferior… Você acabou de ver algumas definições do respeitabilíssimo dicionário Houaiss, demonstrando que o termo é bem servido de depreciações. Brega, pensando bem, é mesmo uma palavra sem categoria.
Para começar, sua origem é obscura, ainda de acordo com o Houaiss. Tão obscura, aliás, que, segundo outra hipótese, brega teria vindo dos prostíbulos nordestinos em que esse tipo de música tão peculiar embalava os romances de vida tão breve quanto o tempo que transcorria do convite ao quarto e, por fim, ao gozo.
Há mais hipóteses. Como esta, por exemplo, que atribui a derivação do termo ao “Nóbrega” que dá nome à rua Manuel da Nóbrega, em Salvador – que ficava na região de meretrício da capital baiana. Em algumas histórias licenciosas, aliás, pronunciava-se o nome do padre Nóbrega como palavra paroxítona. De Nóbrega para Nobrega, teria sido um pequeno salto, pois.
O brega, contudo, continuava em busca de um lugar de destaque como manifestação musical. Se nas tertúlias a simples menção da palavra causava urticária, quem sabe seus intérpretes pudessem encontrar a aceitação nos saraus musicais…
Estava surgido um novo gênero de música brasileira, embora não houvesse, asseguravam os especialistas, um ritmo propriamente brega. Existisse ou não, o fato é que o termo ganhou o status de gênero musical, marcado por romantismo, simplicidade, rimas e palavras fáceis, assim evoluindo e crescendo no gosto popular e produzindo variáveis como o brega pop e o tecnobrega. A música do meretrício pouco a pouco adquiria ares de dama, quase pudicos, deixando de frequentar exclusivamente os pecaminosos bordéis. Era o tempo dos boleros e sambas-canção trinados nas vozes suplicantes dos cantores do momento, como Orlando Dias, Carlos Alberto e Cauby Peixoto.
A música pegou, e, para encurtar a conversa, a partir dos anos 1980, o termo brega passou a ser cunhado largamente na imprensa brasileira para designar, preconceituosamente, ressalte-se, música sem valor artístico. Assim, o termo designava música de mau gosto, destinada às camadas populares, com exageros dramáticos que beiravam o histrionismo. Era, por exemplo, o caso da interpretação de cantores da linha romântica como Amado Batista, Wando, Gilliard, Fábio Junior e José Augusto.
Em tal cenário, um rapaz de nome artístico Reginaldo Rossi se destacou. Sem vez como imitador servil de Roberto Carlos, assumiu trono e cetro de o Rei do Brega, e o sucesso logo lhe bateu às portas. Dentro da tradicional linha romântica popular, Reginaldo Rossi manteve-se como uma espécie de contraponto nordestino para Roberto Carlos, inclusive se apropriando do título de rei que já acompanhava o monarca da Jovem Guarda.
Os ventos benfazejos sopravam continuamente, e a canção Garçom fez do pernambucano uma sensação no Sudeste. O brega passou a ser reavaliado – inclusive gravado por estrelas de primeira grandeza da música nacional, como Caetano Veloso.
O centro da atenção aqui, porém, é o Rei do Brega e é dele que se vai falar. Para começo de conversa, foi, orgulhava-se de dizer, o primeiro cantor de rock do Nordeste, no tempo em que comandava um grupo musical batizado The Silver Jets. Antes disso, no entanto, foi professor de física e matemática, e estudou engenharia durante quatro anos, tendo iniciado a carreira artística em 1964, por influência de Elvis Presley, dos Beatles e da Jovem Guarda, segundo disse.
Além do mais, foi crooner em boates do Recife, e fez duas incursões na política. Na primeira, candidatou-se a vereador de Jaboatão dos Guararapes, mas conquistou apenas 717 votos. Na segunda, tentou se eleger deputado estadual, contudo, mais uma vez, não teve êxito. Conquistou 14 934 eleitores, contentando-se em ocupar a 93ª colocação no pleito.
Mas de que importava o sucesso político se, como artista, o aplauso estava do seu lado?A partir do seu primeiro disco, O Pão, foi sucesso atrás de sucesso. Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme, por exemplo, foi regravada dezenas de vezes por vários artistas. E como isso fosse pouco, ele ressurgiu no Centro-Sul, o que provocou o relançamento de seus discos em CD. Logo ele passou a ser visto como cult e assinou contrato com a gravadora Sony. Foram cerca de 50 discos lançados, entre inéditos e coletâneas, mais de 300 composições gravadas e ele ainda encontrava tempo para fazer uma média de 25 shows por mês, em todo o Brasil.
Ademais, ganhou o Prêmio da Música Brasileira 2000, 14 discos de Ouro, 2 de Platina, 10 Platina Duplo e um de Diamante. Foi um longo e alcatifado caminho para aquele rapazola que imitava Roberto Carlos, não é mesmo?
O ignorado de ontem passara a ter, a partir do Recife, fã-clubes espalhados pelas principais capitais brasileiras, como Salvador, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Maceió, Brasília, Porto Alegre, São Paulo, Manaus, entre outras, onde se fez conhecer por O Rei da MBB (Música Brega Brasileira).
Bebedor contumaz, jogador compulsivo e fumante inveterado, Reginaldo Rossi baixou hospital no dia 9 de novembro de 2013. Retirou dois litros de líquido acumulados entre a pleura e o pulmão, mas o pior estava por vir. O resultado da biópsia confirmou o diagnóstico de câncer de pulmão, que o levou no dia 20 de dezembro de 2013. Nascido a 14 de fevereiro de 1944, Reginaldo Rossi vivera 69 anos.
Com sua voz nasalada, fora, no começo, um improvável cantor que se liberara da imitação de Roberto Carlos para fazer sucesso como o Rei do Brega. Fez. Tanto que hoje, como ontem e como amanhã, em algum lugar do Brasil estarão sendo ouvidos muitos dos seus sucessos, como A Raposa e as Uvas, Garçom e tantas outras melodias, simples, é verdade, mas que embalaram tantos momentos de amor.
Muitos dos que ouvem Reginaldo Rossi buscam, com gestos e palavras evasivas, fazer parecer que se trata de um simples momento exótico ou mero divertimento. É não. Na maioria das vezes, isso é só fingimento. Descabido, creia. Afinal, com sua interpretação e, sobretudo, com a personificação do que cantou, o Rei mostrou claramente que o brega também soube ser chique.

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