“Só a política de repressão não dá resultado”, confira entrevista com Murilo Cavalcanti

Murilo Cavalcanti é secretário de Segurança Urbana do Recife. Ele tem circulado o País defendendo um modelo de enfrentamento à violência por meio da conciliação entre a mão dura (da repressão) e a mão social (da integração de serviços públicos e de oportunidades de educação e lazer em territórios de alta vulnerabilidade social). Sua inspiração é a experiência colombiana de Mendellín, que se refletiu na construção dos Centros Comunitários de Paz (Compaz). Com duas unidades instaladas e cinco a serem construídas em dois anos, essa é uma experiência de promoção da segurança que destoa das políticas adotadas pela maioria dos Estados e municípios brasileiros.

Confira abaixo a entrevista completa com o secretário que foi realizada durante a produção da matéria de capa da edição de março da Revista Algomais.

Como você avalia os resultados dos primeiros anos do Compaz no Recife?

Maravilhosos. Principalmente na redução do CVLI (Crime Violento Letal Intencional), conhecido homicídios. Mas todos os outros tipos de violência ao redor do Compaz têm sido reduzidos. A violência contra a mulher, contra criança, as agressões de vizinho por vizinho, que muitas vezes resulta em tragédias pela latida de um cachorro, por uma partida de futebol, um som alto. Mas acho que o ganho mais significativo do Compaz é que a gente definitivamente rompeu a lógica perversa de fazer coisa pobre para quem é pobre. A gente ofertou um equipamento de altíssima qualidade arquitetônica e de engenharia. Mas foi mais do que isso. Ofertamos um leque de serviços públicos de promoção da cidadania que está revertendo a escala da violência, promovendo convivência e cultura de paz. Isso é o que as comunidades mais carentes, pobres e desiguais do Recife e do Brasil todo mais precisam.

Há novos investimentos a serem feitos pelo Compaz?

A proposta do prefeito Geraldo Julio é de termos até o final da gestão cinco novos equipamentos. Fizemos 2 nos 6 anos de mandato. Foi um período de experiência,  inspirado em Medellin, que é a mais bem sucedida do mundo experiência de combate à violência urbana. Eles usaram o conceito de segurança cidadã e de convivência e se deram muito bem. Medellín tem um leque de serviços públicos nas comunidades mais carentes e desiguais que tem revertido a escalada de violência. Nos inspiramos nessa experiência e criamos o conceito do Compaz, que é novidade no Brasil. Tem sido um laboratório para a gente.  Um grande aprendizado.

Agora na reta final, vamos entregar mais 5 equipamentos. Serão 7 em operação no total. Serão instalados no Pina, no Coque, na Várzea, no Ibura e na Caxangá. Com isso teremos escala no território para atender a um terço da população do Recife que vive em situação de vulnerabilidade. Isso não é pouca coisa. São 550 mil pessoas que vivem onde é muito restrita a oferta de serviços de qualidade, principalmente o serviço de promoção da cidadania. Estamos festejando os resultados que o Compaz tem dado no desempenho, por exemplo, dos meninos na escola pública, do comportamento de não agredir os professores, de preservar o espaço público. É preciso que isso vire uma política de Estado.


Há possibilidade disso se espalhar em outros municípios ou Estados?

O governador Paulo Câmara tem muito interesse nesse tema e chamou para diversas reuniões. Mas o Brasil passou por uma enorme crise política e econômica e ele não conseguiu fazer isso no primeiro mandato. Não tenho dúvida que no segundo mandado ele levará o Compaz para algumas cidades com altas taxas de homicídio, Crime Violento conta o Patrimônio, crimes contra a mulher e idosos. Ele está muito motivado com o Compaz.


Você já teve um encontro com o ministro Sérgio Moro. Como foi a conversa?
O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, há 3 anos veio conhecer o Compaz no Alto Santa Terezinha e ficou encantado. Em um encontro com Moro falou sobre o Compaz. E o ministro Moro ficou muito interessado em saber o que era esse equipamento, que o ministro do Turismo falava com tanto entusiasmo. Não levei nenhuma reivindicação. Fiz uma apresentação de uma hora sobre o Compaz, de como foi a inspiração. Ele ficou encantado, me pediu para voltar em outra oportunidade e fazer uma apresentação mais ampla, mais técnica, para todo o corpo técnico do ministério. E disse que vai estudar uma maneira desse equipamento virar uma política nacional, mas precisava se aprofundar mais de quanto custa, qual o capital humano envolvido em cada Compaz e qual o custeio para poder levar ao presidente da República como uma política nacional.


Quanto custa cada Compaz?

Cada Compaz demanda um investimento de construção em torno de R$ 18 milhões. E o custeio (pessoal, material, água, energia, limpeza) é em torno de R$ 200 mil mensais para os cofres da Prefeitura.


O Brasil tem uma abordagem mais repressiva do que preventiva contra a violência urbana. Neste momento político não há uma tendência de que se fortaleça mais essa visão do que uma perspectiva mais preventiva?
Não é novidade. Até porque o presidente se elegeu dentro dessa defesa da força. Dente por dente, olho por olho. O brasileiro estava aflito, num momento de muita insegurança e se encantou com essa proposta. Mas não conheço em nenhum lugar do mundo em que a política dura, só da repressão, de polícia, justiça e encarceramento deu resultado. Eu me inspirei num modelo que está dando resultado e chamando a atenção do mundo inteiro, que é a política de segurança pública de Mendellín. E o que Mendellín fez? A conciliação da Mão Dura (política e justiça, mas respeitando os direitos do cidadão) com a mão social, que é a mão da prevenção. Mendellín hoje é o espelho para o mundo inteiro de usar a cultura cidadã, de usar a promoção da cidadania, de usar a mediação do conflito, de usar o espaço de convivência cidadã para reverter esse quadro da violência. Não tenho dúvida alguma que a mão social foi muito mais importante do que a mão dura.

A mão dura sozinha não resolve nada. O Rio de Janeiro é um exemplo disso. Só cria mais dor, sofrimento, mais sangue na vida das pessoas pobres da periferia. Esse modelo de enfrentamento da violência tão somente com polícia é fracassado. Não se faz programa de enfrentamento a violência sem polícia. Mas não se faz tão somente com polícia.

 

Já faz um tempo em que as políticas foram implementadas em Mendellín. Houve a manutenção delas?

Eu acho que na verdade o modelo colombiano, embora Mendellín e Bogotá sejam as principais referencias, é uma coisa que contaminou o País inteiro, essa política da convivência e de fortalecimento das instituições. Para se ter ideia, a Colômbia passou Brasil no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). A Colômbia passou a Argentina no PIB. Teve em 2018 um recorde de turistas que visitaram o País. Mendellin recebeu um título de cidade inovadora do mundo, pelas tecnologias sociais em comunidades mais vulneráveis. Bogotá é considerada hoje, na América Latina, um grande centro urbano de turismo, de negócios, de lazer. Isso era impossível há 30 anos. Se Mendellín e Bogotá puderam, nós também podemos.

Entendo que a política colombiana de enfrentamento ao narcotráfico e à delinquência nos grandes centros urbanos é vitoriosa. Temos que considerar que a Colômbia é um País em guerra civil há 52 anos. No Brasil não conheço nenhum grupo armado querendo derrubar o presidente da República. A Colômbia tem as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), os milicianos, a ELN (Exército de Libertação Nacional). Reputo como um modelo bem sucedido. Precisa de avanços. Reduzir a pobreza e desigualdade, mas estão no caminho certo. Espero que o Brasil se inspire na política colombiana para achar o caminho da tão almejada paz social que todos queremos.

Qual a sua expectativa da consolidação de uma política nacional de segurança pública?

Estou muito otimista que isso aconteça. Eu disse ao ministro Moro que em torno de 120 cidades brasileiras são responsáveis por 60% dos homicídios do Brasil. Eu disse que era preciso estabelecer uma política nacional com foco territorial, que possa mapear essas 120 cidades mais violentas e se faça uma política integrada. Isso tem uma possibilidade enorme em reduzir os homicídios e a violência contra mulheres. Voltei muito entusiasmado com a conversa com o ministro Moro, pois ele disse que tinha esse pensamento de ter foco na política de enfrentamento à violência, que chamaria os prefeitos. Se tiver determinação politica de reverter a escalada da violência, tem que ter uma coordenação nacional com participação dos Estados e municípios.

Como você avalia a experiência uruguaia de lidar com o problema das drogas?

Alguns países caíram na real de que a guerra às drogas é uma guerra perdida. Causa mais dor, sangue e sofrimento do que resolver a questão do consumo. Tem havido uma explosão do consumo nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Sabemos que essa política só com a força é fracassada. Defendo que seja uma política de saúde publica. É um problema a ser resolvido através da saúde e não da mão dura, que só traz sofrimento. Não faço apologia às drogas. Elas têm efeitos perversos, principalmente o crack e as mais pesadas. Defendo que uma nova política seja estabelecida como foi feita em 16 estados norteamericanos, em Portugal e no Uruguai. A ONU precisa colocar esse tema na agenda do dia para um debate mundial de como fazer um novo enfrentamento à questão das drogas.

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