Fernando Andrade: “Grupos econômicos enfrentam pedidos de responsabilidade tributária”

A receita bruta dos 200 maiores grupos empresariais brasileiros, segundo a Revista Exame, alcançou US$ 770 bilhões no ano de 2017. Fernando Andrade, advogado do Escritório Severien Andrade Advogados, acredita que em razão dessa pujança econômica, esses grupos passaram a despertar os interesses das autoridades fiscais brasileiras, que, cada vez com mais frequência, optam por atribuir responsabilidade tributária aos seus integrantes.
Esses pedidos, segundo Fernando Andrade, em geral, partem de uma narrativa marcada pela criminalização dos grupos econômicos, em que se tenta atribuir uma conotação ilícita ou criminosa a inúmeros fatos e negócios jurídicos que, além de serem legítimos e lícitos, são corriqueiros e inerentes à própria essência dos grupamentos empresariais. Fernando Andrade é mestre em direito tributário pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, na qual defendeu dissertação sobre Responsabilidade Tributária de Empresas integrantes de Grupos Econômicos. Nesta entrevista ela detalha o assunto e aponta soluções.

Que tipo de problema os grupos econômicos têm enfrentado nos casos de responsabilidade tributária?

Segundo a Revista Exame, a receita bruta dos 200 maiores grupos empresariais brasileiros alcançou a impressionante cifra de US$ 770 bilhões no ano de 2017. Certamente por conta dessa pujança econômica e da sua popularização na dinâmica negocial, os grupos econômicos passaram a despertar os interesses das autoridades fiscais brasileiras, que, cada vez com mais frequência, optam por atribuir responsabilidade tributária aos seus integrantes.

Mais do que a expressiva e crescente proliferação de pedidos de responsabilização de grupos econômicos, o que mais tem preocupado e assustado o meio empresarial é a agressividade e os excessos muitas vezes verificados nas investidas fiscais, tanto na narrativa desenvolvida, quanto nas drásticas medidas de constrição patrimonial pedidas, muitas vezes, de dificílima reparação.

Isso porque, frequentemente, a fundamentação dos pedidos de responsabilização parte de uma narrativa marcada pela “criminalização” dos grupos econômicos, na qual se tenta atribuir uma conotação ilícita ou criminosa a inúmeros fatos e negócios jurídicos que, além de serem legítimos e lícitos, são corriqueiros e inerentes à própria essência dos grupamentos empresariais.

É o caso, por exemplo, da identidade de sócios entre empresas controladas por uma mesma família, do compartilhamento de ativos, do oferecimento de garantias e de vários outros negócios jurídicos que, embora sejam lícitos e inerentes à dinâmica dos grupos empresariais, são qualificados, pelas autoridades fiscais, como “provas inequívocas” do uso abusivo da personalidade jurídica, de confusão patrimonial e de outras patologias jurídicas.

Na verdade, quando se examina os pedidos de responsabilização formulados pelas autoridades fiscais, a impressão que se tem é que os grupos econômicos se tornaram sinônimo de algo ilícito, sobretudo nos casos dos chamados “Grupos de Fato”, que não são constituídos segundo a Lei das Sociedades Anônimas, mas que, frise-se, não são considerados ilícitos apenas pelo seu caráter informal. Obviamente, há situações em que a formação e a utilização de grupos econômicos realmente têm finalidade ilícita, voltada ao não recolhimento de tributos devidos ou à ocultação de patrimônio derivado de ilícitos tributários. Mas não é desses casos que estamos falando.

O grande problema é que, frequentemente, os pedidos de atribuição de responsabilidade tributária não individualizam, de maneira circunstanciada e com provas contundentes, as condutas praticadas por cada um dos integrantes dos grupos econômicos. Aparentemente, é mais fácil “socializar” a responsabilidade tributária entre todos os participantes do grupamento, atribuindo-a indistintamente a todos os seus participantes, mas sem a necessária demonstração individualizada de que uma determinada empresa, por exemplo, participou da ocorrência do fato gerador do débito tributário objeto da responsabilização ou ao menos contribuiu para o seu inadimplemento.

E, para piorar, é muito comum que os pedidos de responsabilização de grupos econômicos sejam acompanhados de requerimentos para que os ativos dos seus participantes sejam indisponibilizados ou penhorados até o limite dos débitos cobrados, que, em regra, são bastante expressivos.

Essa questão foi agravada com a Operação Lava a Jato?
Não me parece que tenha havido um agravamento do tema após e por causa da Operação Lava Jato, porque a proliferação de pedidos de responsabilização tributária de grupos econômicos é fenômeno que já ocorre desde antes do início daquela operação.
Mas, por outro lado, me parece que, além da narrativa criminal já mencionada, há um ponto em comum entre a Lava Jato e os pedidos de responsabilização tributária: a profundidade e a sofisticação das investigações, sobretudo societárias e patrimoniais, feitas pelas autoridades. Usando tecnologia de ponta e profissionais altamente experientes e qualificados, os órgãos conseguem fazer uma reconstituição completa do histórico societário e das mutações patrimoniais das pessoas, físicas e jurídicas, que compõem ou são ligadas aos grupos empresariais.

Quais as saídas para o problema, quando uma empresa está sendo alvo de um pedido de responsabilização baseada na sua alegada participação em grupo econômico?

Há mais de 10 anos, tenho assessorado, com muita intensidade, diversas empresas em demandas, administrativas e judiciais, envolvendo a responsabilização de grupos empresariais nordestinos. Não foi por acaso que o nosso escritório criou uma equipe de advogados especializada, que, há um bom tempo, criou um know how específico e diferenciado para lidar com demandas sobre essa temática. Em linhas gerais, fazemos um exame aprofundado e personalizado de cada caso novo, a partir de uma análise individualizada dos históricos societário e patrimonial de cada empresa atingida pelo pedido de responsabilização tributária, com o objetivo de demonstrar que, na verdade, mesmo quando há de fato um grupo econômico configurado, sua formação e finalidade são lícitas e o patrimônio dos seus integrantes não é fruto do não recolhimento de tributos.

A saída, segundo nossa experiência, é percorrer um caminho oposto àquele comumente adotado pelas autoridades fiscais e, por isso, ao invés de apresentarmos uma defesa única e conjunta para todas os supostos integrantes do grupo econômico, estrategicamente, optamos pela apresentação de defesas individualizadas para cada uma das pessoas físicas e jurídicas atingidas pela demanda, com o objetivo de demonstrar que essas pessoas não participaram do fato gerador dos débitos cobrados, não contribuíram para o seu inadimplemento e tampouco se envolveram em atos ilícitos ou denotadores de confusão patrimonial, desvio de finalidade e abuso de personalidade jurídica.

Essa estratégia tem se mostrado acertada, porque, sobretudo nos últimos anos, os tribunais judiciais têm percebido os exageros cometidos pelas autoridades fiscais e têm afastado a responsabilidade de empresas e pessoas físicas em casos nos quais, mesmo havendo caracterização do grupo econômico, não há prova do nexo de causalidade entre o suposto responsável tributário e o surgimento (fato gerador) ou o inadimplemento da dívida e tampouco a demonstração de atos ilícitos ou abusivos. Se por um lado, as defesas individualizadas dão muito mais trabalho, por outro, permitem contrapor as alegações fiscais de maneira mais clara, precisa e assertiva, afastando a tônica de ilicitude comumente adotada.

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