Guilherme Leiva: “O transporte público é um instrumento de equidade social”

Em meio à maior crise dos transportes do Brasil, a pandemia apenas expôs as dificuldades crônicas do setor que é fundamental para uma mobilidade urbana mais saudável para as cidades e sustentável. O coordenador do departamento de Engenharia de Transportes do Cefet-MG, Dr. Guilherme de Castro Leiva, afirma que caso o País tivesse sistemas de maior qualidade, o poder público poderia ser mais assertivo no isolamento social, por exemplo. Para além do atual momento de enfrentamento do novo coronavírus, ele defende que o transporte público é um dos caminho para promover maior inclusão social, menor número de acidentes e desenvolvimento de economias locais. Confira a entrevista concedida ao jornalista Rafael Dantas.
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Diante da Pandemia muitos problemas históricos se mostraram mais evidentes. Um deles foi o transporte público, com as aglomerações que dificultam o enfrentamento da atual crise sanitária. A partir dos problemas mais visíveis agora, você acredita em alguma transformação no transporte público? 
Com a pandemia percebemos a necessidade de construir um transporte público de qualidade. O transporte público de qualidade permitiria aos gestores públicos ações mais assertivas de isolamento social, bem como de retomada das atividades. Enquanto um transporte público desvalorizado reduz a eficiência de intervenções e aumenta a dependência do automóvel. Isso reforça a exclusão social e prejudica a construção de uma cidade mais democrática.
A prioridade ao transporte público liberaria parte considerável do sistema viário para consolidação de espaços públicos de convivência e circulação de modos ativos de transportes (a pé, bicicletas, patinetes etc.), bem como de áreas verdes para a população. Hoje, em período de isolamento, observamos a falta que esses espaços fazem para a saúde da população e da cidade.

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Quais seriam as principais tendências?
A tendência atual não é das mais animadoras. Observa-se uma busca por desqualificar os serviços de transporte coletivo, julgando-os inseguros quanto à contaminação da Covid-19. Essa postura promove uma supervalorização dos modos individuais motorizados, especialmente automóvel e motocicletas, que poderão no curto prazo aumentar o problema da mobilidade urbana nos centros urbanos. É preciso compreender que o transporte público é um instrumento de equidade social e, bem gerenciado, uma potente ferramenta no auxílio da gestão da pandemia.
Transporte público de qualidade significa maior inclusão social, menor número de acidentes, desenvolvimento de economias locais, ou seja, cidades mais ativas e sustentáveis.

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Para o melhor funcionamento das cidades uma das questões que estão sendo colocadas em relação ao transporte é a tentativa de flexibilizar de algumas atividades, reduzindo assim a pressão sobre os horários de pico. Isso contribuiria para uma melhoria na mobilidade? Há alguma experiência no exterior bem sucedida neste sentido?
Essas ações são extremamente bem-vindas não somente pelo fato de evitar aglomerações, em especial no embarque de desembarque de passageiros, pois observa-se controle do número de passageiros dentro dos veículos em diversas cidades, mas também para a melhor utilização da capacidade do serviço. Em horários de baixa demanda o transporte público trabalha de forma ociosa, o que aumenta o custo do serviço, consequentemente, a tarifa.
A flexibilização da jornada de trabalho, bem como de atividades, já ocorre em várias cidades do mundo. Experiências indicam que essas ações, além de melhorar a operação do transporte, garantem a vitalidade e a segurança do espaço urbano, uma vez que a cidade amplia a circulação de pessoas em períodos do dia, até então pouco aproveitados.

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Quais as possibilidades do poder público qualificar a mobilidade urbana das grandes capitais, de modo a construir um “novo normal” melhor que o antigo nesse setor?
Há primeiro que compreender que o fenômeno que passamos reforçam a necessidade de se pensar no coletivo. Vivemos uma época de individualismo exacerbado, o que afasta as pessoas e polariza as relações. Esse processo de segregação impede que pessoas de diferentes classes sociais troquem experiências e criem oportunidades de melhoria de forma conjunta.

Para romper com esse “ciclo vicioso” é preciso enfrentar a questão do financiamento do serviço. Durante a pandemia ficou escancarada a inviabilidade do modelo em vigor, em que somente os usuários que utilizam esses modos financiam o serviço (salvo alguns raros casos), o que penaliza o usuário, em geral de baixa renda, que tem que arcar com as altas tarifas. Municípios e empresas operadoras em momentos como este ficaram reféns do aspecto econômico e, consequentemente, limitados na oferta de um serviço de qualidade que garantisse a segurança dos usuários quanto ao contágio da Covid-19. Entendemos que a sociedade como um todo deve contribuir para a qualidade do transporte público. Um bom transporte público traz benefícios para todos, inclusive aos usuários dos automóveis, que passam a ter vias menos congestionadas e uma melhor gestão do sistema viário.

A obra Exílio (de Luiz Rangel) ilustra os efeitos colaterais da mobilidade urbana ancorada nos veículos individuais.

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O segundo aspecto é pensar no planejamento associado à cidade. Pensar a partir das centralidades locais e regionais e somente depois na valorização das longas distâncias. É preciso conceber uma rede de transporte que garanta o acesso ao comércio local de bairros, com linhas circulares, de menores distâncias e mais baratas de forma a incentivar os usuários e promover a diversidade de atividades urbanas. Em seguida a relação dos bairros entre si, com linhas perimetrais, incentivando a economia e o desenvolvimento entre-bairros. Por último, em função da alta concentração e especialização do espaço urbano, pensar nas viagens de longas distâncias com destino ao centro principal. O objetivo é reduzir gradativamente a dependência da centralidade principal. Isso sempre dando prioridade ao transporte público no sistema viário.

Ao conceber os serviços nessa estrutura, relacionando transporte e uso do solo, e com financiamento do serviço pela sociedade, permitindo o acesso do serviço a grande número de excluídos da mobilidade, acredita-se na viabilidade de construção de uma “nova mobilidade”. Uma mobilidade que devolva a cidade aos seus habitantes, garantindo a segurança de circulação e permanência, além de mais democrática, com a participação e utilização dos serviços por toda a sociedade.

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