Flaira Ferro: “A arte foi um hospital de almas durante a pandemia”

Flaira Ferro, cantora, compositora e dançarina, que tem uma forte relação com o Carnaval, fala sobre a não realização da Festa de Momo, das releituras do frevo misturado a outros ritmos, da sua trajetória e ressalta a importância das expressões artísticas nestes tempos de crise da Covid-19.

Flaira Ferro nasceu em pleno Carnaval e ao fazer 6 anos de idade pediu para a mãe levá-la para conhecer o Galo da Madrugada. Ao chegar no maior bloco de rua do mundo, ela começou a imitar a multidão dançando frevo e logo uma roda se formou em torno dela de pessoas admiradas com a destreza da pequena passista. Com tal habilidade, ela foi estudar na Escola Municipal de Frevo com o mestre Nascimento do Passo e chegou a trabalhar com Antônio Nóbrega. Mesmo com toda essa biografia, a dançarina, cantora e compositora diz estar resiliente com o fato de não haver folia este ano. “A prioridade tem que ser a saúde pública e todas as formas de sustentar a vida”. Uma resiliência que não a impediu de cantar a música com PC Silva Um frevo pra pular fevereiro (https:// youtu.be/WVRNYsoLGyE), um lamento pela não realização da Festa de Momo, cujo clipe foi muito visualizado na pandemia.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, Flaira falou das novas releituras do frevo, dos seus projetos e da importância da arte neste período de pandemia. “Ela foi o nosso álibi, nosso lugar de nutrição do espírito, porque o que seria da gente sem poder ouvir música, sem poder assistir a filmes, sem poder ler livros?” Sua voz doce e tranquila cria um contraste interessante quando fala da fúria das suas letras sobre a condição da mulher e da sua geração que deu um novo impulso às questões feministas. “A raiva tem uma função fundamental para trazer equilíbrio quando as coisas estão muito opressoras.”

Como tem sido pra você, que nasceu em pleno Carnaval, passar esse segundo ano sem a folia de Momo. “Me diz como a gente consegue esperar mais um ano?” como diz a canção Um frevo pra pular fevereiro.

É sempre com muito pesar que a gente tem que atravessar esse momento, ainda mais pelo motivo que está impedindo o Carnaval de acontecer que é, de fato, essa pandemia em que a prioridade tem que ser a saúde pública e todas as formas de sustentar a vida. Então, óbvio que olhando mais do ponto de vista pessoal, a gente fica triste, querendo que que isso seja atravessado da forma mais rápida possível. Fico querendo inventar formas de criar um Carnaval em casa. Mas, se é pelo bem maior, acho que é muito importante trazer a consciência de que a gente não tem uma festa separada do contexto em que ela vive, né? O Carnaval, inclusive, é reflexo do momento histórico que a gente atravessa. Então, estou resiliente neste momento.

É verdade que você começou a dançar frevo desde muito pequena?

Minha relação com o Carnaval se deu logo na primeira infância, quando eu pedi de presente de aniversário de 6 anos a minha mãe para conhecer o Galo da Madrugada que é o maior bloco de rua do mundo. Eu via na televisão e ficava muito encantada com as imagens. Aí minha mãe atendeu o pedido e ali foi meu primeiro contato de que eu tenho a memória de estar adiante da dança do frevo, da música, com muita efervescência e me encantar muito com as pessoas, com aquela força lúdica, de ver os homens pintados, as mulheres fantasiadas, os idosos cheio de glitter. Lembro como um grande portal que eu estava conhecendo.

A partir dali, eu imitava as pessoas nas ruas, imitava o povo dançando. Pedi para minha mãe uma sombrinha, mas era supercara R$ 50, que na época era muito dinheiro. Veio uma moça, amiga de minha mãe, que me deu a sombrinha e comecei a imitar as pessoas dançando. Logo se formavam rodas ao meu redor de pessoas apreciando ao me ver dançar. Eu tinha já uma facilidade de aprender, tinha uma coordenação motora que assimilava rápido os movimentos e a minha mãe viu que eu fiquei muito feliz.

A partir daquele momento, teve todo um processo não de coincidências, eu diria de sincronicidades, que fizeram com que eu fosse parar na Escola Municipal de Frevo. E lá comecei a estudar com o fundador da escola, e criador do primeiro método de ensino do frevo que era Nascimento do Passo. Comecei a ter aulas, a participar de concursos, comecei a me destacar ganhando alguns prêmios como passista. E aí fui desembestando nos festivais de dança do Brasil, ganhando prêmios, sendo reconhecida e foi chegando a notoriedade, as mídias. Até hoje a dança é meu carro-chefe, é a minha primeira língua das artes, assim como o frevo é a matriz.

Como você encara o frevo hoje? Muita gente reclama que é uma música só para o Carnaval, mas existem algumas releituras e misturas do ritmo e, por exemplo, na música Revólver você coloca uma atitude rock’n’roll no frevo.

característica principal do frevo é a espontaneidade, é a improvisação, é a relação do povo em catarse. A música e a dança são meros reflexos dessas transformações do indivíduo, do corpo humano de quem nasce aqui, de quem bebe desse contexto de manifestações. Então, acredito que o frevo precisa acompanhar o nosso tempo e acompanhar as transformações das novas gerações que estão aí e das que estão

vindo. Acho muito importante e é muito saudável a gente ter essa relação entre a tradição e a inovação de mãos dadas. Quando eu propus a música Revólver era o desejo mesmo de fazer uma canção que falasse de questões que estamos atravessando hoje, essa questão armamentista, essa ideia de solucionar a violência pelas armas, era um pouco essa brincadeira de falar do estado de espírito como o principal revólver para as transformações sociais.

A própria estética sonora de fazer a música toda praticamente pelo computador, os beats serem timbres eletrônicos, era o desejo de experimentar estéticas que pudessem ampliar o universo do frevo. Mas isso já vem sendo feito também por outros artistas, não senti que eu estou inventando nenhuma roda. DJ Dolores já vinha fazendo vários experimentos do frevo com a música eletrônica, China, Alceu Valença já trabalhavam com traços do frevo e do rock and roll em sua discografia. Enfim, foi a vontade de levar o frevo para a diversidade de experimentos.

Leia a entrevista completa na edição 191.4 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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