A obscura lei do uso dos faróis

A obrigatoriedade do uso de farol baixo durante o dia nas rodovias federais e estaduais brasileiras é fruto de uma das leis mais controversas aprovadas em 2016, a 13.290/2016. A discordância foi tamanha que a sua adoção foi suspensa em Pernambuco pelo Departamento de Estradas de Rodagens (DER) cinco dias após entrar em vigor, por falta de sinalização e de ações educativas junto aos condutores.  Recentemente, liminar da Justiça Federal de Brasília proibiu a cobrança de multa em todo território nacional pelos mesmos motivos. A justificativa apresentada pelo autor da lei, deputado Rubens Bueno (PPS-PR), é de que ela aumenta a segurança no trânsito. Porém seu argumento é questionado por um grupo de pesquisa da UFPE, coordenado pelo professor do Departamento de Engenharia Civil Maurício Pina. No Estado, no curto prazo de vigência da legislação, 229 condutores foram autuados, mas as multas foram suspensas pela Justiça.

O uso dos faróis acesos durante o dia é tema de vários estudos acadêmicos. Muitos apresentam conclusões que se contradizem, de acordo com Maurício Pina, que há cinco anos coordena uma linha de pesquisa na UFPE sobre acidentes nas estradas. “O entendimento é controvertido. Alguns trabalhos defendem o uso de faróis acesos durante o dia nas rodovias, justificando que numa distância de 3 km é possível visualizar o veículo. Outros estudos, no entanto, indicam que essa medida altera os elementos naturais de percepção e pode desencadear situações de estresse ao condutor e ainda causa uma poluição luminosa que pode até confundir os motoristas, sendo prejudicial principalmente para os motoqueiros”, afirma.

No caso das motocicletas, por exemplo, a nova lei tende a contribuir para “desprotegê-las”, alerta Pina. “Antes dessa legislação, apenas as motocicletas eram obrigadas a trafegar com faróis acesos, o que os destacavam no tráfego”, explica o professor. “Se no caso das rodovias há opiniões conflitantes, em áreas urbanas é inaceitável. Não há a menor justificativa para implementar essa obrigatoriedade”, adverte Pina. “Quem a defende baseia-se na justificativa da visibilidade do veículo num o raio de visão de 3 km, mas em área urbana você não alcança essa distância devido aos obstáculos na paisagem”.

Na Região Metropolitana do Recife a aplicação da lei confundia os motoristas sobre os locais onde deveriam acender os faróis. Isto porque várias rodovias estaduais cortam os centros  urbanos, como a Estrada da Batalha, a Estrada de Aldeia, a PE-15 (Olinda e Paulista) e o Complexo do Salgadinho. Essa confusão fez com que fossem aplicadas em média 45 multas por dia só na RMR. No País, segundo a Polícia Rodoviária Federal, foram geradas 3 mil multas diárias.

Na dúvida, a tendência dos motoristas foi permanecer durante o dia inteiro com o farol aceso, para não correr o risco de ser multado em R$ 85,13 e ainda perder quatro pontos na CNH. Em novembro deste ano, o valor passará a ser R$ 130,16, conforme a nova tabela que entrará em vigor no País.

Nos estudos realizados pela UFPE em diferentes quilômetros da BR-101, a redução do número de acidentes de trânsito passa por outros fatores. “As pesquisas demonstram claramente que muitos dos acidentes são causados por condições físicas da via, tais como o estado do pavimento, a sinalização horizontal e vertical e a geometria da rodovia”. Houve casos na BR-101, por exemplo, que a execução de um tapa-buracos, embora de curta vida útil, contribuiu para reduzir os acidentes nos quilômetros em que o serviço foi executado em 10% no ano. No entanto, para o professor é necessário que os pavimentos tenham uma restauração definitiva, já que os serviços de tapa-buracos são apenas paliativos, por apresentarem vida útil efêmera.

O professor ainda chama a atenção para o fato de que a obrigatoriedade do uso de faróis durante o dia nas rodovias teve início nos países da Escandinávia (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia), onde as condições de iluminação natural são muito críticas, já que lá os raios solares não aparecem durante a maior parte do ano. Outros países que passaram a adotar a medida, como Chile, Argentina, Uruguai, Hungria, Canadá e alguns Estados norte-americanos não estão situados nas regiões tropicais, nas quais as condições de luminosidade são muito diferentes.

Para tentar entender a justificativa técnica para implementação da lei, o professor da UFPE enviou uma correspondência ao diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Elmer Coelho Vicenzi. Pina solicitou informações da pesquisa que embasou a medida. Ele quer saber  quem foi o autor, a instituição em que trabalhava, o referencial teórico, a metodologia utilizada, os resultados obtidos e a data da publicação. A resposta, que veio através da coordenadora geral de infraestrutura de trânsito, Juliana Lopes Nunes,  foi a de que não havia nenhum estudo sobre o assunto naquele departamento. Ela sugeriu que ele recorresse ao Congresso Nacional, responsável pela aprovação. Pina fez o mesmo procedimento, enviando uma correspondência para o deputado Rubens Bueno, autor do projeto de lei, mas ainda não obteve resposta satisfatória.

Como se não bastassem os argumentos técnicos para o professor questionar a medida, ele destaca ainda a ilegalidade da sua aplicação para as áreas urbanas. Pina explica que a Lei nº 13.290 alterou os artigos 40 e 250 do Código de Trânsito Brasileiro, passando a obrigar o uso de faróis acesos durante o dia em túneis providos de iluminação pública e rodovias. No entanto, o próprio Código, em seu Anexo I, define rodovia como sendo uma via rural pavimentada, não incluindo, portanto, aquelas que atravessam as áreas urbanas.

CONTRADIÇÃO

Em 2006, um projeto de lei da deputada Selma Schons (PT/PR) pretendia justamente proibir o uso de faróis durante o dia. A motivação, curiosamente, era para aumentar a segurança no trânsito. “O uso do farol indiscriminadamente aceso durante o dia é nocivo, pois interfere no mecanismo cerebral de processamento da luz, e ao alterar os elementos naturais da percepção, produz incômodo e é capaz de desencadear perigosas situações de estresse no condutor. Isto será tanto mais evidente nas grandes cidades sujeitas a congestionamentos de tráfego e nos eixos com grandes fluxos de veículos em circulação”, justificava a parlamentar.

A deputada acrescentou ainda que o farol veicular indiscriminadamente aceso recebe o carimbo de poluição luminosa de todos os parâmetros internacionais normatizados desde 1967 pelo Conselho Europeu e confirmado no Congresso de Poluição Luminosa de Copenhague em 1997. O projeto tramitou e foi arquivado em 2008.

Por Rafael Dantas

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