“A preocupação com a diminuição das desigualdades poderá ser uma marca da minha gestão”

Durante a posse de Márcia Angela Aguiar na Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco) estiveram presentes, além dos servidores da instituição e de políticos, muitos representantes de movimentos sociais. Esse detalhe já fornece uma pista de como será a gestão dessa professora, nascida em Garanhuns, que atuou em instituições públicas de educação durante boa parte de sua trajetória profissional. Logo no início dessa entrevista a Cláudia Santos na Fundaj, ela destacou que, nos seus planos à frente da Fundação, pretende contribuir para a redução das desigualdades sociais.

Para alcançar o objetivo, Márcia quer aproximar a Fundaj das escolas públicas e atuar de forma conjunta nas áreas de educação e cultura. “Quando você coloca as gerações em contato com a cultura, abre-se um mundo. Vejo o encantamento dos grupos de garotos e garotas de escola que chegam aqui e olham o acervo do museu. ” Porém, para colocar em prática seus projetos e ainda preservar o acervo da Fundaj, ela terá que enfrentar a falta de pessoal, já que boa parte dos servidores da Fundação estão na fase de se aposentar.

A presidente da Fundaj fala desses desafios, dos seus planos e da sua carreira, que tem passagens inusitadas. Como o período em que dava aula em Caetés (Agreste) e os alunos a ajudavam a pegar carona de caminhão para voltar para casa. Confira a entrevista a seguir.

Quais são seus planos de gestão à frente da Fundaj?

Meu primeiro movimento é o de conhecer o que existe. Organizei uma comissão de transição para identificar os problemas das diversas diretorias para poder traçar um plano estratégico e, ao mesmo tempo, tomei a iniciativa de nomear para cada diretoria pessoas que já são servidoras da casa. Coloquei a pesquisadora Ana Abranches na Diretoria de Memória; na Diretoria de Cultura e Artes está Túlio Velho Barreto, e a Diretoria de Pesquisas Sociais ficou com Wilson Fusco.

Tenho um compromisso com a questão social. Estamos numa sociedade desigual e todos os esforços devem ser feitos, mediante as políticas públicas. Sou defensora de que o estado precisa intervir em todas essas áreas para que possamos reduzir a desigualdade estrutural. Entendo que a educação aparece como uma aliada muito forte para todos aqueles que têm essa percepção do social. A preocupação da diminuição das desigualdades socioeducacionais do Brasil poderá ser uma marca da minha gestão.

Uma outra preocupação é que o último concurso público que ocorreu na Fundação foi em 2006, hoje, praticamente, metade dos servidores estão com abono de permanência (benefício concedido ao funcionário público que opte por permanecer em atividade após ter cumprido todos os requisitos para aposentadoria voluntária). Qualquer um que se importe com a conservação da memória e cultura nacionais, regionais e pernambucana não pode deixar de ficar preocupado com essa situação.

Temos poucos servidores públicos e muita gente terceirizada. O terceirizado é aquele que está de passagem e existem certas especificidades na Fundação que não são adquiridas na formação somente com leituras, é preciso uma vivência junto de quem tem uma expertise em determinados campos. É o caso da restauração, uma área que temos grandes necessidades, esses profissionais estão com abono permanência e, a qualquer momento, podem sair. E quem é que fica para poder levar adiante esse trabalho tão meticuloso, que é fruto de uma experiência muito grande? O concurso público é uma demanda urgentíssima.

E quantas pessoas seriam necessárias?

Temos um quadro que está em torno de 80 servidores que são permanentes. Precisaríamos de quase o dobro para dar conta de toda a demanda da instituição. Ao todo temos 18 prédios, o que significa que temos a necessidade de pessoas para cuidarem disso tudo, desde especialistas até profissionais da área de apoio.

A senhora fez algum pleito ao MEC sobre essa questão?

Sim. Fiz um pleito junto ao ministro da Educação Camilo Santana para que dê prioridade para essa questão. Ele argumentou que essa é uma necessidade não só daqui da Fundaj, mas também de todo o ministério. Ele ficou surpreso com a situação e disse que tem o compromisso de abrir concurso público. Inclusive, ele esteve na minha posse e externou publicamente esse compromisso. Também fizemos contato com políticos para darem apoio porque sabemos que eles têm aproximação com o Executivo, especialmente a senadora Teresa Leitão que, por ser da educação, tem muita sensibilidade com essas demandas.

Bem, voltando à minha administração, outra defesa que faço é da gestão democrática. É necessário instaurar processos colegiados que permitam que as decisões tomadas sejam discutidas no âmbito da instituição. É outro compromisso que assumi e está sendo demonstrado na prática ao constituirmos uma equipe de transição com servidores para fazer um diagnóstico da situação de cada diretoria. Eles têm a possibilidade de participar e de opinar para fazer o planejamento estratégico da instituição.

Estamos construindo um processo compartilhado de gestão na perspectiva de olhar os objetivos com a visão também do futuro. Prezamos o legado desse passado tão precioso da Fundação, deixado por Gilberto Freyre e Joaquim Nabuco, as ideias libertárias de ambos e o combate às discriminações da época em que viveram.

Temos a perspectiva de preservar a expressão do nosso povo. A Fundaj representa isso porque aqui não está documentada só a cultura de Pernambuco, mas a do Nordeste. Ela foi criada com o intuito de fazer esse trabalho também no Norte do Brasil. Hoje praticamente não existe essa atuação. Pensamos que poderíamos restabelecer algum laço nessa área da cultura e da memória do Norte do País.

E a cultura nordestina é a cultura brasileira. Em Pernambuco houve o entrelaçamento de indígenas, holandeses, franceses, portugueses e africanos. Então é um lastro imenso. E tudo isso está representado nos nossos museus e galerias. É preciso dar mais visibilidade à Fundaj. Muitos acham que a Fundação é só o cinema e o museu, e há tanta coisa aqui e que está à disposição do público.

Para você ter ideia, fiz uma visita ao Laboratório de Pesquisa Conservação e Restauração de Documentos e Obras de Arte. Encontrei o servidor que é responsável por fazer processos de restauração de documentos. Havia mais dois estudantes estagiários trabalhando num documento com ele. Fiquei curiosa, fui olhar o que era. Imagine: era a recuperação de cartas familiares de Joaquim Nabuco! Um trabalho altamente meticuloso. Aqui estão à espera de restauração todo acervo de Miguel Arraes e de Josué de Castro, que nos foi doado, além de outros acervos. Ao todo, temos um milhão de documentos de diversas tipologias que precisam ser restaurados. Este é um dos motivos pelos quais necessitamos de concurso público.

Outro aspecto que consideramos prioritário é a aproximação com a escola pública porque entendemos que essa juventude que está na educação básica precisa de espaços para compreender a nossa própria história. Alguém que não conhece a sua história não é capaz de defender o seu país. É preciso entender a sociedade em que você está inserido e olhar o mundo de forma crítica e criativa. Acho que a Fundaj pode ser esse espaço. O Museu do Homem do Nordeste é a história viva do nosso País, não somente de Pernambuco e do Nordeste. Ora, uma criança que chega num ambiente desse vai despertar que ali tem uma história viva e descobrir suas origens e onde ela se situa.

Outra coisa é que estamos firmando acordos de colaboração com instituições internacionais nos campos de educação e cultura. Já iniciamos contatos com instituições da Espanha e de Portugal inicialmente. Fizemos um convênio com o Instituto Politécnico do Porto, no intuito de estabelecer projetos específicos. Temos trabalhos conjuntos e alguns projetos já foram iniciados. Também tive a oportunidade de conhecer o Instituto Pernambuco- Porto e a nossa conversa foi de que também podemos fazer o intercâmbio de pesquisadores.

Também tenho o compromisso de pensar educação e cultura juntas. Não vejo as duas áreas de maneira separada. Quando você coloca as gerações, especialmente os menores, em contato com a cultura, abre-se um mundo. Vejo o encantamento dos grupos de garotos e garotas de escola que chegam aqui e olham o acervo do museu. Não se faz educação sem cultura. Vamos atrair cada vez mais os jovens e dar oportunidade àqueles que não tiveram isso ao longo da vida. Temos visitas de escolas que trabalham com educação de jovens e adultos, gente que nunca entrou num cinema ou num museu e, de repente, eles têm isso à disposição.

De que forma pretende colocar essa questão em prática?

Por exemplo, fui visitar o Porto Digital, eu não sabia que havia um cinema da Fundaj por lá. Achei lindo o cinema e a nossa ideia é que os filmes exibidos ali tenham muito mais visibilidade. Estamos nesse esforço inicial para ver como se pode garantir ou viabilizar o acesso a determinados públicos que não têm o hábito de ir ao cinema, principalmente pela questão econômica. Muitas vezes, essas pessoas não sabem que existe um cinema na Fundaj no Derby ou no Porto Digital. Nosso intuito é ampliar a participação das pessoas, não só nas sessões de cinema, mas também nas galerias. Agora, estamos com uma exposição muito interessante da Nação Xambá.

Um outro aspecto da gestão é que fizemos um acordo de colaboração, assinado no Fórum da União dos Dirigentes Municipais da Educação, que congrega 180 municípios de Pernambuco. Já nos reunimos com o secretário de Educação de Limoeiro para começar a discutir uma proposta de gestão cultural que ele e outras prefeituras estariam interessados.

Vamos trabalhar no sentido de auxiliar a formação de gestores da educação pública, dando sempre essa conotação de que a cultura é muito importante para qualquer processo formativo, não é somente você pensar em ensino e aprendizagem. Queremos auxiliar as pessoas a terem uma postura mais crítica diante do mundo, diante do trabalho.

Por exemplo, eu não posso ficar satisfeita quando vejo um jovem de 18 anos numa bicicleta ou moto, trabalhando 14 horas por dia, carregando aquelas bagagens nos ombros. O estado tem a responsabilidade de propiciar condições para que todos e todas tenham garantida a sua formação plena, que tenham acesso a esse conhecimento. A Fundação pode ajudar muito nesse processo – e aí a gente volta ao ponto inicial da conversa: mas, para desempenhar bem esse papel, ela tem que ter pessoas que possam dar continuidade a esse grande legado que é a história da Fundaj.

O que a Fundaj tem a oferecer ao público, além do cinema e do museu?

A pessoa que chega aqui na Fundaj tem uma imersão cultural e científica muito importante do presente apontando para o futuro. O acesso é público, não há barreiras. Temos pesquisadores de vários estados que recorrem à Fundaj. Por exemplo, quem estiver fazendo uma pesquisa sobre o período dos holandeses pode encontrar materiais valiosíssimos. Pesquisadores do cinema de Pernambuco vão encontrar todos os filmes de todos os cineastas do Estado na Cinemateca da Fundaj.

Temos o Cehibra (Centro de Documentação e de Estudos da História Brasileira Rodrigo Melo Franco de Andrade) que guarda um acervo textual formado por originais manuscritos, datilografados e impressos, tais como correspondências, diários, recortes, produções intelectuais etc.

Temos um acervo fotográfico composto por fotografias, cartões-postais, rótulos comerciais, impressos, pinturas, gravuras dentre outros tipos de documentos visuais. O público também tem acesso ao nosso acervo sonoro musicográfico e núcleo de memória da história oral constituído por cerca de 45 mil documentos sonoros de diversas tipologias, como disco de 78 recordações, LPs, compactos, CDs, fitas cassetes, fitas rolo. O acervo também conta com conjunto documental de elementos gráficos como capas, selos, encartes, partituras e arranjos musicais.

Nossa biblioteca tem 135 mil volumes, entre fascículos de periódicos, folhetos de cordel e revistas em quadrinhos. Existe a coleção de obras raras do acervo, a exemplo dos registos originais do domínio holandês por Gaspar Barleus de 1647.

A senhora poderia falar um pouco da sua trajetória profissional?

Sou de Garanhuns, estudei no colégio Santa Sofia, que é da ordem das Damas Cristãs. Fiz um curso pedagógico e fui convidada para lecionar no colégio quando tinha acabado de me formar. Também fui professora em Caetés e minha primeira experiência foi com meninos e meninas de classes multisseriadas. Ali, tive um banho de realidade, uma coisa é você se formar num colégio de freiras, outra coisa é você chegar numa mesma sala com meninos de 6, 8, 10, 12, 16 anos. Muitas vezes, eu ficava empolgada com os meninos e perdia o ônibus de volta para Garanhuns. O último passava na parada às 16h. Aí aquela meninada me levava até a estrada e ficava esperando o primeiro caminhão passar, pediam para o motorista parar para eu pegar carona (risos).

Vim para o Recife porque lá não tinha faculdade. Fiz concurso e trabalhei em diversas escolas. Depois fui ser professora na Facho (Faculdade de Ciências Humanas de Olinda) e fui convidada para trabalhar na Universidade Católica. Lecionava administração em educação. Ao mesmo tempo, fiz concurso para a UFPE, onde trabalhei e fiz mestrado, quando terminei, comecei a lecionar também no mestrado de educação. Minha orientadora foi a professora Silke Weber, que foi convidada para ser secretária de Educação do segundo Governo Arraes e ela me convidou para ir junto. Fiquei três anos, depois Arraes saiu para ser candidato a deputado, ficou Wilson Campos e o secretário de Educação passou a ser Fernando Gonçalves, que pediu para eu ficar por lá. Fiquei. Depois voltei para a universidade.

Fui fazer doutorado na USP (Universidade de São Paulo), ao mesmo tempo me envolvi com a questão das associações. Ajudei a construir e fui presidente da Associação Nacional de Formação dos Profissionais de Educação, também fui presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação e da Associação Nacional de Política de Administração em Educação. Depois fiquei na área de pesquisa na pós-graduação, e participando de entidades internacionais, participo de um fórum de gestão de educação superior que está em países da África e do Brasil. Gosto desse tipo de coisa.

Agora tenho esse desafio aqui na fundação, mas eu sempre olho as coisas assim: estou de passagem e o que eu puder fazer, onde eu passar, para o bem-estar de quem está perto de mim, vou fazer. Temos que fazer coisas boas, estabelecer laços de solidariedade onde a gente estiver. Meu lema é: viver cada etapa da vida, porque em cada uma delas, a gente tem a alegria e as tristezas. Estou de passagem aqui, entro inteira e saio inteira. Porque eu acho que terá novos desafios adiante e tudo coisa boa, não penso que vem coisa ruim para mim, não.

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