Cultura bem temperada

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Raul Lody

Água de pote: a boa água de beber

A boa água é essencialmente limpa, e quando fresca melhor ainda. São muitos os imaginários sobre a água, e a esses imaginários integram-se os cenários culturais e sociais que ritualizam esse tão precioso líquido.  Água de pote é uma categoria regional, uma tipologia de “lugar” para a água na casa. É a água guardada em potes de barro com várias características estéticas. Geralmente um pote de barro pode comportar de dez a vinte litros de água.

Além de ser um utensílio, o pote é também um objeto fundamental por preservar a água de beber; ele exibe e comunica: “temos água, água boa porque está no pote”.
Quase sempre os potes têm tampas de madeira que são feitas especialmente para o uso doméstico. Ainda, é comum que a boca do pote esteja protegida por uma toalha de pano, pano alvíssimo, como se atestasse uma qualidade de limpeza, assim, a água ali guardada é tão limpa, tão pura, quanto a brancura do pano.

Normalmente, o pote está na cozinha ou, como ocorre em muitas casas do Nordeste, ou em ambiente único da casa. O pote quase sempre, nesse contexto, ocupa um tipo de mobília chamada de banca de pote, que é “entronizado” com destaque na casa. Geralmente no entorno do pote estão às fotografias da família, os quadros de santos, ou outras informações visuais importantes que são concentradas e exibidas próximas ao espaço da água; assim, como os copos, as canecas, as cuias, e as meias cabaças, que são para se beber a água, e também os utensílios para se retirar a água dos recipientes.

Vê-se o aproveitamento do coco seco para se fazer o “coco d’água” – tipo de caneca especial para se retirar a água do pote. Há outro tipo de utensílio para se retirar água do pote que é feito de flandres, e apresenta as bordas dentadas, justamente para evitar que se coloque na boca, e assim se mantém a água limpa e boa para o consumo.

Sem dúvida, o pote participa do processo de decantação das impurezas da água, pois as águas chegam de muitos e diferentes lugares. O pote confere à água odor e sabor especial que vem do barro. Essa água é comparada à “água de quartinha”, que é outro tipo de recipiente de barro, só que de uso individual, para conter e servir água.  Há a tradição de se dizer que: “água de quartinha e água de pote são mais gostosas”. Atribui-se, por isso, uma qualidade especial a esse tipo de armazenagem.

Esses recipientes mostram as possibilidades de preservação da pureza desse tão preciosos líquido para o consumo humano. Esse é um processo tradicional de filtragem. Como ainda acontecem com os tradicionais filtros de barro, alguns artesanais e outros industrializados. Beber água de pote é um componente da construção do paladar, é a inclusão de um novo sabor que também está na comida preparada com esta água de sabor especial e peculiar.

O pote na maioria dos casos é a única opção de se ter água “potável” em casa. São milhares de casas no Nordeste, na região amazônica, e em outras regiões que utilizam esse utensílio como sendo a única maneira possível de acondicionar água. A água de pote é um forte retrato da vida de milhares de brasileiros que ainda recorrem a esse costume para se ter certa qualidade na água que é destinada ao consumo na casa. Água para se beber e para se fazer comida. Em outros cenários é crescente o cuidado gastronômico no consumo da água, inclusive numa valorização que requer até os serviços de um “sommelier” especializado para água.

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