Alfredo Gomes: “Precisamos dialogar com a sociedade”

Alfredo Macedo Gomes assume a reitoria da UFPE numa época em que a ciência e a academia são criticadas e sofrem com cortes de verbas. Graduado em psicologia, com mestrado em sociologia e doutorado em educação (PhD) pela University of Bristol, o novo reitor propõe, nestes tempos em que setores rejeitam o conhecimento científico, que a universidade tenha um papel protagonista na busca de soluções para o País. Sertanejo de Ouricuri, ele comemora a interiorização dos cursos universitários e a política de cotas como forma de democratizar a instituição. Para enfrentar o contingenciamento de verbas, ele disse, nesta conversa com Cláudia Santos e Rafael Dantas, que discutiu o assunto numa reunião com o Ministério da Educação, e busca também novas fontes de recursos com a instalação de uma usina fotovoltaica e o aluguel de espaços como o Centro de Convenções da UFPE.

Quais os planos da sua gestão?
É uma gestão que procura recuperar uma universidade que teve seu protagonismo na relação com a sociedade, com o sistema produtivo, com os movimentos sociais e culturais. Temos que fazer um amplo diálogo com comunidade, professores, técnicos e estudantes para construir uma instituição e fortalecê-la coletivamente por meio da participação. Também organizamos um processo de planejamento. Temos nos debruçado sobre a questão da universidade de modo geral, seus diferentes setores, para fazer um diagnóstico mais detalhado. Temos feito reuniões para estabelecer objetivos, metas e estratégias para depois dizer as prioridades e como colocar isso na questão temporal. Vamos dar um foco especial na infraestrutura, temos excelentes equipamentos que precisam ser recuperados para estar à disposição da nossa comunidade e da sociedade de uma maneira geral, como o Núcleo de Educação Física e Esporte. A comunidade do entorno da universidade utiliza muito esses equipamentos. Precisamos desenvolver uma política de lazer e esporte tendo em vista a qualidade de vida. Também está nos planos a recuperação do complexo cultural, o teatro afundou o piso e desde 2013 está fechado. Estamos recuperando o Centro de Convenções, o Cecon, vamos finalizar a recuperação da concha acústica, por volta de abril ou maio do próximo ano, para desenvolver também as políticas culturais. Priorizamos ainda a qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão, e estamos preocupados em recuperar boas taxas de aprovação e de terminalidade dos cursos de graduação.

Como o senhor está lidando com os cortes do MEC?
A universidade tem carências e necessita de recursos adicionais para que possamos dar um salto de qualidade. Houve um período em que o que dominou a agenda foi expandir e neste momento não conseguimos dar conta de ter uma boa infraestrutura. Estivemos no Ministério da Educação duas vezes para apresentar os projetos da universidade, de solicitar recursos para finalizar as obras em andamento. Ainda não tivemos o desembolso desses recursos porque faz parte de um processo mais longo. Temos procurado ações que garantam o funcionamento da universidade no longo prazo. Colocamos recursos para contratar uma usina fotovoltaica e com o dinheiro economizado aplicaremos em outros projetos. Tomamos medidas para colocar em prática um plano de sustentabilidade financeira, captando recursos por meio de ações como fazer a locação do Cecon para a sociedade. Temos vários outros equipamentos, como o Núcleo de Educação Física. Isso sem comprometer a utilização acadêmica.

Os países que mais se desenvolveram foram os que mais investiram em educação e ciência. Diante desses cortes, qual a perspectiva do futuro do desenvolvimento do Brasil?
Hoje o conhecimento é (talvez o termo não seja adequado) um insumo estratégico para o desenvolvimento de qualquer país. Conhecimento, assim como as universidades, é estratégico para colocar o Brasil de forma diferenciada no processo global. Se ignorarmos esses fatos concretos, vamos jogar o País para trás. Precisamos ter investimentos constantes e de longo prazo na área tecnológica e científica, para colocar o Brasil em outro patamar. É necessário fazer um grande esforço em educação, ciência e infraestrutura no Brasil para dar um salto de qualidade. É preciso investir na formação de professores, infraestrutura escolar, métodos de ensino adequados, equipamentos. Isso é muito dinheiro, mas tem que ser uma decisão estratégica e ter constância na pauta nacional durante 10, 20 anos. Do contrário, dizer que educação é um assunto importante continuará sendo uma figura de retórica.

Como está a implantação da usina fotovoltaica?
Fizemos a contratação no final de 2019 e ela vai ser executada ao longo de 2020. Foi um recurso liberado pelo MEC. Pagamos hoje R$ 1,6 milhão na conta de energia por mês. O dinheiro economizado será revertido para a manutenção, em políticas que envolvem iniciação científica, programas de extensão, bolsas para estudantes. Cinquenta por cento deles são provenientes de escolas públicas e isso alterou profundamente o perfil da universidade que era voltada para as classes médias e bem abastadas. Com a política de cotas, a universidade ficou com um perfil de que é mais a cara do Brasil. Por isso temos que implantar políticas de permanência dos estudantes. Isso envolve não apenas ter residências estudantis e restaurante universitário, mas ter também outras políticas.

Essa mudança afetou o desempenho acadêmico?
Não. Os dados de que a UFPE dispõe mostram que não há alteração do ponto de vista do desempenho. Temos áreas que, independentemente das cotas, têm um índice alto de evasão e de repetência. Isso acontece no Brasil como um todo em instituições públicas e privadas. Precisamos mudar as práticas pedagógicas porque não é admissível que 80% de uma determinada turma não conclua o curso. Nas áreas das engenharias, de exatas e da natureza as médias de evasão são muito altas. Alguma coisa está errada, não se pode dizer que a culpa é exclusiva dos estudantes. Precisamos fazer uma discussão, melhorar os métodos de ensino, fazer a formação do ponto de vista pedagógico dos professores, melhorar a questão da presença mais permanente dos estudantes. Uma universidade não é um curso de ensino superior, em que o estudante participa da aula e depois vai para casa. É também participar da iniciação científica, de seminários, de programas de extensão, de monitoria.

O senhor falou da importância do diálogo. Temos vistos muitos ataques às universidades. O senhor acha que a academia e os cientistas ficaram muito distantes da sociedade?
Esse ataque a que você se refere vem de grupos específicos, mas precisamos dialogar de forma mais permanente e sistemática com a sociedade. As pessoas precisam entender que a universidade pública, financiada com nossos impostos, tem um papel relevante no desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural da sociedade; 95% das pesquisas realizadas no Brasil são feitas nas universidades públicas. Temos um papel muito forte não apenas na realização de pesquisas puras, mas também daquelas que têm impacto direto no desenvolvimento das áreas de saúde, de educação, das engenharias, da informática etc. Quem entende adequadamente isso, vai perceber que não existe universidade e produção de conhecimento se não tivermos liberdade e democracia. Quando há sistemas que fecham as universidades e querem ditar como ela deve ser é a morte da instituição, porque para fazer pesquisa você precisa do contraditório, do debate.

O senhor também falou em protagonismo. Há uma falta de protagonismo da universidade em relação a essas questões sociais?
Nós, enquanto universidade, temos que apresentar uma pauta para a sociedade, para os municípios, as instituições públicas e o sistema produtivo. Por exemplo, estou procurando os deputados federais do Estado e tive uma reunião com o governador para discutir a universidade e possibilidades de parceria. Temos condições de discutir a questão da sustentabilidade, da energia, do saneamento, da saúde (veja o caso do zika vírus em que tivemos uma grande contribuição). Não se pode trabalhar com o conceito antigo de universidade que era encastelada em si mesma. As universidades não operam mais assim, a própria estrutura produtiva sofreu grandes mudanças, tanto é que nos aproximamos muito da pauta da inovação.

Alguns setores, como o de tecnologia, se ressentem da qualidade da mão de obra. Como resolver essa questão?
Precisamos fazer um investimento maior na qualificação e na formação de pessoas. O domínio da língua portuguesa no Brasil denuncia essa necessidade. A base produtiva reclama, com razão, que nós não temos pessoas capacitadas para trabalhar nessa área, esse é um papel em que a universidade pode ajudar, mas o sistema de educação básica e profissional também pode contribuir. Alunos que se formam no CIn (Centro de Informática da UFPE) se empregam rapidamente, nas áreas das engenharias também. Temos 8,5 milhões de pessoas matriculadas em educação superior no Brasil, 22% desse total são em instituições públicas, 78% nas particulares, onde mais de 50% são matrículas noturnas. São alunos que conjugam o curso com outras atividades. Se você verificar a quantidade de horas aulas dedicadas na educação básica e na universidade e comparar com outros países, verá que eles têm muito mais carga horária que a gente. Portanto, além da formação dos professores e da sua valorização, existem outras variáveis que pesam nesse processo. É claro que temos que ter cursos noturnos, mas eles não podem ser o elemento central do sistema educacional.

Como o senhor, que é um sertanejo de Ouricuri, analisa a interiorização da universidade?
É uma mudança de paradigma no Brasil. Tradicionalmente nossas instituições ficavam muito centradas nas capitais e as pessoas do interior tinham que se deslocar para estudar aqui. Temos unidades em Vitória, Caruaru, a Universidade Federal Rural de Pernambuco em Serra Talhada, no Cabo e em Garanhuns, que virou agora a Universidade Federal do Agreste Pernambucano. A Univasf está em Petrolina. A UPE também está presente em várias regiões. Isso traz um impacto na vida das populações por diversas razões: não só por ter uma universidade presente, leva formação para perto, leva conhecimento, salário e gente. A política de cotas e de interiorização são pilares do processo de democratização da educação superior, porque há o ingrediente da gratuidade. Democratizar é fazer com que a universidade tenha uma maior representação possível da população negra, indígena, pessoas com deficiência, é uma forma de trazer o país para dentro das instituições.

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