Arquiteta Clarissa Duarte critica prioridade para veículos motorizados na Conde da Boa Vista

Arquiteta e professora da Unicap, Clarissa Duarte foi entrevistada pelo repórter Rafael Dantas para a Revista Algomais sobre a Avenida Conde da Boa Vista. A revitalização da via foi discutida durante as eleições municipais de 2016, mas na opinião da especialista, há ainda um tratamento desproporcional entre os investimentos em pavimentação viária (para veículos motorizados) e no cuidado dos espaços estratégicos para os pedestres (travessias, das calçadas e ciclo-rotas). Na entrevista ela destaca as pesquisas do Plano Centro Cidadão, que identificaram as principais Rotas Estratégicas para Pedestres no Centro Expandido Continental.

Em primeiro lugar, qual a sua avaliação sobre as últimas intervenções que foram feitas nessa avenida?

A Conde da Boa Vista é hoje a prova “viva” de que o planejamento do espaço público da nossa cidade, há décadas, é absolutamente desintegrado e ineficiente. Continua-se insistindo em se fazer investimentos para o transporte público (ou parte dele) sem se considerar as tantas melhorias necessárias para a vida e fluxos dos “cidadãos não motorizados”. É insustentável e inadmissível continuar investindo milhões em pavimentação viária (para veículos motorizados) e ignorar a importância das travessias, das calçadas e ciclo-rotas seguras e confortáveis, a urgência do embutimento e ordenamento da fiação da iluminação pública, o incentivo à arborização adequada e a criação de espaços de estar, a adequação do comércio popular, a valorização e dinamização do patrimônio construído, entre outros.

Ao que me parece, ela é ruim para os pedestres, motoristas e ciclistas. Quais os problemas centrais dessa via? E quais os eixos devem ser observados para a sua revitalização?

Ao que parece, o redesenho recente da Conde da Boa Vista ignorou completamente a dinâmica e aspectos da vida local, buscando priorizar (limitadamente) a fluidez do transporte coletivo. Apesar de ser uma tendência mundial a redução do espaço para o veículo particular, esta iniciativa deve ser uma medida restritiva e não impeditiva da circulação de automóveis, como ocorre na Avenida quando algum incidente obriga um carro a parar. Basta um táxi estacionar para deixar um passageiro e centenas de metros de congestionamento se instalam em segundos.
Para que o estímulo ao uso do transporte coletivo continue sendo uma política importante é fundamental considerar que 100% dos usuários desse tipo de transporte é pedestre e, ainda, que não se chega de paraquedas na parada de ônibus e não se pode sair a foguete. Planejar um eixo principal de transporte público significa, obrigatoriamente, considerar todas as vias que o alimentam. Ou seja, para se atrair ou irradiar pessoas para o (e a partir do) transporte coletivo é imperativo integrar o planejamento das diversas ruas que articulam as pessoas a esses eixos estratégicos. Pensar de forma sistêmica é pensar sustentavelmente; é transformar as deseconomias históricas do nosso planejamento em um grande investimento para o agora e o amanhã da cidade do Recife.

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Conde da Boa Vista. Foto: Juarez Ventura/Algomais

A av. Conde da Boa Vista foi alvo de promessa de campanha do prefeito eleito Geraldo Júlio. Você conhece os estudos e o projeto que a prefeitura tem dessa via? Alguma avaliação deles?

Não tomei conhecimento, ainda, de nenhum projeto mais recente para o redesenho da Avenida. O que conheço são as iniciativas de estudo da mobilidade da cidade e do seu Centro Expandido, através do desenvolvimento do Plano de Mobilidade (atualmente em revisão pela prefeitura) e também do andamento das pesquisas sobre mobilidade e espaços públicos do Plano Centro Cidadão (parceria entre prefeitura e UNICAP), cuja defesa maior encontra-se, exatamente, na busca pelo planejamento integrado dos espaços públicos (como as ruas) e seus diversos componentes: a mobilidade (meios e superfícies), a vegetação e natureza, o mobiliário urbano (inclusive o comércio popular) e a arquitetura (forma e usos, principalmente no pavimento térreo).

Essa “reforma” da avenida está integrando aqueles projetos de recuperação do Centro Expandido do Recife? Acredito que a Unicap fez algum trabalho sobre essa proposta de revitalizar o bairro.

Até então nenhum projeto foi oficialmente apresentado para a equipe do Plano Centro Cidadão. Como já dito, os estudos até então realizados pela UNICAP buscaram ao máximo analisar estudos e propostas anteriores, mas com o objetivo maior de canalizar a integração e humanização dos espaços (públicos e privados) e de suas gestões.

Atualmente está sendo concluída a elaboração das Diretrizes Urbano-arquitetonicas para o Centro Continental visando sua apresentação em audiência pública no primeiro semestre de 2017. Para esta estapa já foram realizas duas “Oficinas Cidadãs” (oficinas colaborativas com representantes de aproximadamente 100 organizações e/ou movimentos), além de uma diversidade de “Conversas Cidadãs” (reuniões colaborativas) com grupos específicos.

Uma das pesquisas mais importantes realizadas pela equipe do Plano Centro Cidadão foi a identificação das principais Rotas Estratégicas para Pedestres no Centro Expandido Continental. Com o intuito de ressaltar a importância da articulação entre as pessoas (pedestres) com os espaços públicos do território (Ruas, Avenidas, Praças e Parques) e os principais espaços semi-públicos (Shopings, Hospitais, Universidades…) uma metodologia específica foi desenvolvida para detectar a importância de cada rua na articulação do Sistema de Espaços públicos e semi-públicos local. Foram identificadas 116 ruas e avenidas, segundo ordem de prioridade. Existem vias, como a Avenida Cruz Cabugá e a Rua Nunes Machado na Soledade, por exemplo, pelas quais se sobrepõe aproximadamente 50 rotas de articulação das pessoas com o sistema local. Este indicador é extremamente importante na definição de novas políticas públicas que tenham o foco na sustentabilidade urbana e na qualidade de vida cidadã, mas precisam racionalizar os investimentos dos cofres públicos.

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