Nos últimos anos ocorreu uma valorização do artesanato na decoração de ambientes. Fascinados pela beleza das peças feitas à mão, consumidores (muitos de alto poder aquisitivo) apreciam não apenas o seu uso figurativo, mas também a originalidade e a identidade que elas oferecem. Ao incluir a arte popular nos seus projetos, os arquitetos foram grandes responsáveis pela entrada das criações dos mestres artesãos nos interiores das casas e escritórios.
Para o arquiteto Carlos Augusto Lyra, quando se utiliza um produto artesanal na decoração, o ambiente ganha personalidade. “É como se fosse uma impressão digital, uma vez que não existe um trabalho igual ao outro”, explica Lyra. “O material usado também traz uma proposta diferente para o espaço. Por exemplo, o uso da madeira em um móvel da casa vai tornar o cômodo mais rústico e autêntico”, ressalta Lyra, dono de uma coleção de mais de sete mil obras de artistas plásticos consagrados e de artesãos.
Ao conferir identidade à decoração, o artesanato traz consigo toda história de quem o confeccionou, valorizando a cultura da região onde foi criado. Como no caso da artesã Aparecida de Lima Silva, mais conhecida como Mestra Cida, residente do município de Belo Jardim, no Agreste pernambucano. Ela começou aos 8 anos produzindo panelas de barro para ajudar a mãe na cozinha, mas nos últimos 12 anos, tem usado as mãos e o talento para esculpir peças de decoração. Entre as obras estão adornos em formatos de calangos, panelas e pratos decorativos, a partir de R$ 15 podendo chegar a R$ 150.
De origem humilde, Mestra Cida jamais imaginou que teria suas peças vendidas a pessoas abastadas, como empresários. Na Fenearte (Feira Nacional de Negócios do Artesanato) ela comercializa sua arte na Alameda dos Mestres, privilegiado espaço do evento, onde expõem os mais importantes artistas populares do Estado. “Antes eu sentia falta de um reconhecimento do trabalho artesanal, mas depois que vi 500 peças minhas vendidas na feira, mudei essa visão”, comemora.
O sucesso de Cida deve-se muito ao pioneirismo da arquiteta Janete Costa, falecida em 2008. Pernambucana, de Garanhuns, ela defendia a ideia de que a arquitetura deveria expressar a identidade de uma região. Por isso, lutou para associar o erudito ao popular, provando que era possível integrar os dois elementos em um só ambiente. “Parte desse movimento que existe hoje de uso do artesanato na decoração e de valorização da cultura regional deve-se às lutas travadas por ela”, afirma Roberta Borsói, filha de Janete.
Esse compromisso social lhe deu o título de melhor arquiteta por três anos consecutivos pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) e, em 2011, uma galeria de arte com seu nome no Recife, além de reconhecimento mundial. Saudosa, Roberta lembra das vezes que acompanhava a mãe na feira de artesanato em Caruaru. “Ela sempre comprava bonecos de pano para os quatro filhos e aos poucos fomos aprendendo a gostar e admirar as peças artesanais”, recorda. O resultado dessa infância imersa no universo da arte foi que todos os filhos se envolveram em curadoria e pesquisa na área.
Roberta Borsoi, por exemplo, é arquiteta e há 15 anos dá continuidade ao projeto idealizado por sua mãe, o Espaço de Interferência Janete Costa. Situado logo na entrada da Fenearte, o local de 180m² mostra o ambiente de residência ou escritório decorado com peças de artesanato, unindo decoração e arte popular. “É uma maneira de beneficiar artesãos que contam com a visibilidade dessa área para dar sequência ao seu trabalho”, explica Roberta, que assina a curadoria do projeto juntamente com Bete Paes.
Ao atuar na linha dos ideais difundidos pela arquiteta, O Imaginário é um laboratório de Pesquisa em Extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que surgiu nos anos 2000 com o objetivo de tornar a atividade artesanal sustentável. Oferece uma espécie de assessoria aos artesãos para que eles desenvolvam a consciência empreendedora para tornar seus negócios viáveis, levando em conta o design associado à produção, mas também à comunicação, à gestão e ao mercado. Sem, contudo, perder o espírito da tradição artesanal. “Acreditamos que o artesanato traz originalidade e agrega valor ao ambiente para além do meramente material, enaltecendo o bem cultural de uma região”, afirma Ana Maria Queiroz de Andrade, coordenadora do laboratório.
No Cabo de Santo Agostinho, por exemplo, O Imaginário realizou uma oficina no Centro de Artesanato para atender às necessidades dos artesãos. Eles aprenderam técnicas como a de esmaltar o barro. Hoje eles conseguem se sustentar por conta própria a partir do que aprenderam, como é o caso de Severino Antônio de Lima, mais conhecido como Mestre Nena.
Até então, ele fazia apenas materiais utilitários. Depois da intervenção do laboratório, direcionou seu trabalho para a produção de peças decorativas. “Passei a produzir obras em barro e argila, como pinhas de enfeite, pêndulos e luminárias vitrificadas”, diz o artesão.
Mestre Nena comemora hoje a guinada que deu ao deixar de produzir filtros de barros, cujo valor era dez vezes inferior ao cobrado pelos objetos de decoração que cria. O preço das peças costuma variar de R$ 25 a R$ 400 e ele chega a comercializar 300 peças num mês, faturando um montante de R$ 15 mil mensais. “Quando vendia produtos utilitários, eu trabalhava no vermelho, mas desde que passei a produzir as peças para decoração consegui conquistar vários clientes, inclusive de outros Estados”, enfatiza.
A valorização do artesanato como peça decorativa em Pernambuco teve um grande impulso com o surgimento da Fenearte. Carlos Augusto Lyra, coordenador da feira, ressalta a importância do evento.
“É um encontro de muitas trocas de informações, de pessoas que vem de várias localidades. Funciona como uma vitrine para esses artesãos, onde eles podem conversar com o consumidor e ter um feedback do seu trabalho”, avalia Lyra. “O que se observa também é que a cada edição novos artistas surgem com um trabalho rico e autoral”, acrescenta o arquiteto.
A 19º edição da Fenearte já tem data certa para acontecer: de 4 a 15 de julho no Centro de Convenções de Pernambuco. Este ano o homenageado será Mestre Salustiano, popularmente conhecido como Mestre Salu, um dos artistas mais importantes de Pernambuco, que deixou como legado um valoroso trabalho na cultura popular em áreas como o maracatu e o cavalo-marinho. O público poderá conferir o espaço dedicado ao mestre, com peças do acervo da família, onde seus filhos também vão comercializar a sua produção realizada na Casa da Rabeca, na Cidade Tabajara (Olinda). As palestras, mostra de artesanato, música e gastronomia serão voltadas para as linguagens da cultura popular. A programação contará, também com desfiles de moda, escolinha de arte e a tradicional praça de alimentação.
*Por Paulo Ricardo Mendes (algomais@algomais.com)