“Brasileiros e portugueses deveriam se conhecer melhor”

Q uem observa hoje o empresário Zeferino Ferreira da Costa no seu elegante escritório no bairro de Boa Viagem, no Recife, não imagina que ele trabalhou na adolescência numa mercearia em Portugal e, aos 18 anos, atravessou o Atlântico rumo ao Brasil, em busca de melhores oportunidades. Sua história de vida bem que daria um romance. Esteve à frente, junto com o irmão, num armazém de secos e molhados, que vendia para os barracões das usinas de cana-de-açúcar. Teve ainda uma padaria e um armazém de material de construção até ser um bem-sucedido empresário da construção civil.

Em gratidão às oportunidades obtidas em terras brasileiras, que permitiram a sua ascensão, Zeferino Costa criou o Instituto Pernambuco-Porto, que visa a uma aproximação entre portugueses e brasileiros. Seu objetivo é promover o desenvolvimento científico, acadêmico, cultural e empresarial nas relações luso-brasileiras. Trata-se de um sonho acalentado há 25 anos e que se concre- tizou em julho passado com a inauguração da sede do instituto, um arrojado imóvel projetado por Acácio Borsói e Janete Costa, localizado dentro da Universidade do Porto.

Nesta conversa com Cláudia Santos, Zeferino Costa conta sua trajetória e fala da sua paixão por unir brasileiros e portugueses e mostrar a Portugal as riquezas culturais e econômicas do Brasil.

Qual o motivo que levou o senhor a sair de Portugal e migrar para Pernambuco?

No meu tempo a emigração portuguesa se dirigia para o Brasil e para Angola. Quando estava em Portugal, meu pai disse para eu escolher entre esses dois países. Ele disse: “olha, tu vais para o lado que tu quiseres”. Em Angola estavam quatro irmãos meus e, no Brasil, havia um irmão que morava aqui. Optei pelo Brasil porque meu irmão estava sozinho aqui, apesar de ter muitos amigos, não havia ninguém da família ao seu lado. Em Portugal eu trabalhava desde muito jovem numa mercearia. Em 1960, aos 18 anos, eu só tinha sonhos e um deles era sair de Portugal para um país que estava melhorando. A perspectiva do Brasil era muito mais forte e eu vim para cá.

Como estava a situação de Portugal nessa época para que a emigração fosse incentivada?

Portugal estava melhorando, entretanto ainda tinha muito para melhorar. O espaço era pequeno, eu queria um espaço maior. O Brasil, pelo tamanho que é e com a população que tem, oferecia mais oportunidades para trabalhar. Eu pensei: vai sobrar alguma coisa para mim. Eu desembarquei aqui, no Recife, no dia 22 de janeiro de 1960, às 7 horas da manhã. Vim no navio Vera Cruz. Passei oito dias no mar.

Qual atividade o senhor exerceu aqui ao chegar?

Eu comecei a trabalhar com meu irmão. Ele morava em Itaqui- tinga que, naquele tempo, era um distrito de Goiana. Itaquitin- ga não é grande, é pequena, mas hoje já é considerada cidade. Trabalhava com meu irmão num armazém de secos e molhados, onde se vendia desde a charque ao feijão. Tínhamos também uma padaria para vender “por grosso”. Não vendíamos no balcão para o público mas às pessoas que tinham um barracão nos en- genhos. Nós levávamos produtos do Recife para Itaquitinga e os donos dos barracões dos engenhos compravam no nosso armazém e na concorrência também.

Nesses barracões os proprietários das usinas vendiam para os trabalhadores, não é?

Sim. Aqueles armazéns tinham de um tudo: tinham charque, utensílios para casa, que eram vendidos ao merceeiro, que era quem comercializava no barracão aos trabalhadores do engenho. Só vendíamos ao público aos sábados ou sextas-feiras porque era dia de feira. Entretanto, durante a semana, as vendas eram feitas apenas para o merceeiro que carregava as compras em cavalos. Na semana seguinte, ele retornava para pagar a conta que fez na semana passada e fazer outra conta para pagar na próxima semana.

E aí os senhores prosperaram?

Sim, deu retorno mas, como era um lugar pequeno, não tinha, como costumamos dizer, dar “panos pra mangas”, isto é, tinha seus limites e quando já não podíamos crescer mais, resolvemos vir para o Recife. Tivemos uma padaria, na rua Vinte e Um de Abril, em Afogados, onde ficamos por pouco tempo, depois adquirimos um armazém de material de construção. Depois, veio mais um outro irmão meu para cá e percebemos que um armazém só era muito pouco para três pessoas. Foi quando decidimos construir, já que tínhamos material de construção do armazém, não precisava comprar em outro canto. Começamos a construir umas casas e pequenos prédios nos bairros de San Martin, Cordeiro, Torre, Rosarinho. Depois, viemos para Boa Viagem.

Colocamos o nome da construtora de Rio Ave que era minha e dos meus irmãos e, em 1996, nós nos separamos, eles ficaram com a Rio Ave com os filhos deles e eu criei a Vale do Ave, porque também já tinha meus filhos. Nós nos separamos, cada um seguiu o seu caminho, mas continuamos muito próximos e amigos. Eu me casei em Portugal, em 1979, e em seguida minha mulher, Maria do Carmo, veio para cá também. Temos quatro filhos. Todos trabalham na empresa. A Rio Ave nasceu em 1965, portanto, tenho 58 anos no setor de construção.

Os senhores começaram construindo conjuntos habita cionais populares?

Eu construía casas para a classe média, funcionários públicos. Eles conseguiam financiamento do próprio governo, porque contavam com o o Ipase (Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado) que era federal. Então, o imóvel já era destinado a eles.

Hoje construímos edifícios para as classes média e alta, principalmente, em Boa Viagem. Acho que no Brasil há espaço para a construção de casas voltadas para as classes menos favorecidas, para a classe média e alta. E isso faz girar dinheiro. O Brasil tem muita coisa para fazer, estradas, saneamento, etc. e como ele é muito grande, tem muito espaço para quem quiser trabalhar.

Como surgiu a ideia de fundar o Instituto Pernambuco-Porto e fazer essa aproximação entre pernambucanos e portugueses?

Ao chegar aqui, eu gostei muito desta terra. Existe toda a história de relação entre Brasil e Portugal e eu achava que brasileiros e portugueses deveriam se conhecer melhor. Já havia instituições que promoviam esse conhecimento aqui no Brasil, como o Gabinete Português de Leitura, o Hospital Português, o Clube Português. A ideia era fazer alguma coisa em Portugal, para que os brasileiros tivessem um apoio lá, em todas as áreas: comercial, acadêmica, científica. Sempre gostei de fazer amigos, de procurar mostrar a minha terra aos brasileiros que vão para lá como turistas e aos que vão trabalhar também, e mostrar o Brasil aos portugueses que vêm de lá para cá. Sempre procurei receber aqui os portugueses que vêm de lá e sempre procurei receber os brasileiros em Portugal. Por isso, veio esse meu interesse de fazer algo, como os portugueses de antigamente fizeram aqui.

Daí surgiu a ideia do instituto, localizado no Porto. Tive a ajuda de empresários, do Governo de Pernambuco, da Prefeitura do Recife, da Prefeitura do Porto e das reitorias da UFPE e da UPE, além da reitoria do Porto que doou o terreno para fazer o instituto. Sempre tivemos apoio das entidades e da população, haja vista que agora na inauguração havia cerca de 150 brasileiros pernambucanos.

Esse projeto tem 25 anos e já contávamos, tempos atrás, com o apoio de Marco Maciel e de Jarbas Vasconcelos. Eu pensava que o instituto ficaria numa casinha de portas e janelas, sabe? Daquelas que são vistas nas cidades. E a ideia foi evoluindo, evoluindo e deu naquilo: um imóvel de 2.300 metros de área construída. Os arquitetos Acácio Gil Borsoi e Janete Costa doaram o projeto arquitetônico.

O Instituto não tem recursos ainda para se sustentar sozinho, mas já está vivendo modestamente, está indo bem.

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