A cadeirinha de seu Aldo (Por Joca Souza Leão)

Nunca tinha pensado nisso. Achava que era invenção de Fernando Sabino num conto. E que tudo tinha acontecido porque o personagem era um sujeito grandalhão e morava num edifício com elevador pequeno e escada estreita. Mas não. Nem tudo, no conto, era invenção de Sabino. O elevador do meu prédio, mesmo, era de bom tamanho e a escada bastante larga. E seu Aldo, meu vizinho, nem era tão grande assim.

Eu tinha uma reunião às nove. Se o trânsito estivesse ruim, chegaria atrasado. “Parado para manutenção”, dizia a plaquinha na porta do elevador social. Fui para o de serviço. Toquei no botão várias vezes. Bati na porta com a chave do carro. E nada. O bicho não descia. Já ia interfonar pra portaria, quando a porta se abriu. Dois homens e seu Aldo, morador do 16º, estavam no elevador. Seu Aldo de pijama e cabeça baixa, como se estivesse dormindo, sentado numa cadeira. Os homens tinham suas mãos sobre os ombros de seu Aldo. “Está morto” – disse-me um deles. E a porta se fechou.

Elevador e escada de edifício são só para gente viva. Caixão de defunto não cabe em elevador nenhum. E, pela escada, em pé bate no teto; deitado não faz as curvas entre os andares.

“Daqui não saio, daqui ninguém me tira; daqui só saio sentado na cadeirinha de seu Aldo.” Disse eu no dia em que me mudei pra cá, há mais de 20 anos. Não há nada que perturbe mais o juízo do que mudança.

Em casa nova, você é hóspede. Só vira sua com o tempo. E bota tempo nisso! Quer um conselho? Não pinte sua casa. Ela correria o sério risco de parecer nova. E, com a pintura, eles tirariam aquele prego que está na parede há um tempão, não pendura mais nada, mas já pendurou. E toda vez que você olha pra ele, pensa em pendurar alguma coisa. E seus livros, recortes e anotações? E os endereços e telefones que você ia (ia mesmo?) passar para a agenda? Nunca mais. E a tesourinha de unha? Adeus!

A parede do meu corredor tem uma mancha que já foi várias coisas, elefante, urso e, agora, é Karl Marx (enquanto não virar Trump nem Temer, fica lá). Trocar a mobília? Nem pensar!

Veja só que coincidência, caro leitor. Esta crônica já estava alinhavada, quando recebi um e-mail de Everardo Maciel com uma crônica de Machado de Assis que eu nunca tinha lido nem ouvido falar. Diz Machado num trecho:

Eu guardei um exemplar da folha (jornal) para acudir às minhas melancolias, mas perdi-o numa das mudanças de casa. Oh! não mudeis de casa! Mudai de roupa, mudai de fortuna, de amigos, de opinião, de empregados, mudai de tudo, mas não mudeis de casa!

Mudar de morada, Everardo, só sentado na cadeirinha de seu Aldo.

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