“Corremos o risco de um novo apagão”

T roca de lâmpadas incandescentes por fluorescentes, banhos mais rápidos e o desligamento de aparelhos eletroeletrônicos. Quem vivenciou, em 2001, o apagão no País, certamente recorda-se de ter tomado medidas como essas para reduzir o consumo de eletricidade em 20%. Caso contrário, sofreria aumento na conta de luz. Passados 20 anos, eis que estamos novamente numa situação de risco iminente de corte de energia elétrica em todo o País.

Para saber sobre os motivos que levaram, mais uma vez, o Brasil a essa situação, Cláudia Santos conversou com Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente). Baitelo aponta gargalos como a falta de planejamento, a necessidade de ampliação do sistema de transmissão de eletricidade e a não realização de leilões de energia nos últimos dois anos. Mas o especialista reconhece avanços ocorridos nessas últimas duas décadas como a diversificação da matriz energética com fontes renováveis e destaca que o Nordeste passou de importador para fornecedor de energia para a região Sudeste. Ele adverte, porém, que a MP da privatização da Eletrobras, que tramita no Congresso, concede uma reserva de mercado às usinas termoelétricas, o que pode pesar no bolso dos consumidores na hora de pagar a tarifa, além de elevar em 25% a emissão de gases de efeito estufa do setor de energia. Confira a entrevista a seguir.

Como chegamos a essa situação de crise hidrológica e energética?

Temos enfrentado, nos últimos anos, um risco de racionamento em maior ou menor grau por uma série de fatores, como uma variação do regime hidrológico – menos chuvas, um nível menor dos reservatórios das hidrelétricas – e, principalmente, de planejamento. Depois do racionamento em 2001, podemos dizer que o sistema elétrico e as decisões governamentais se aprimoraram para evitar que aquela situação acontecesse de novo. O racionamento provocou esse trauma político e, a partir de então, procurou-se mudar o planejamento, diversificar a matriz energética e melhorar o sistema de transmissão de eletricidade. Nesse sentido, o Brasil está em vantagem, não existe outro país continental com um sistema interligado como o nosso.

Apesar disso, ainda existem gargalos. Nos últimos anos, houve novamente um gap de planejamento. O reflexo disso é que, durante os dois últimos anos, o governo optou por não fazer leilões de energia porque a demanda estava baixa, em razão da crise econômica e da pandemia. Então se considerou, naquela época, que o sistema estava folgado e que não era necessário fazer leilões, pelo menos até a demanda se recuperar. Mas a questão é que os leilões contratam empreendimentos que vão ficar prontos depois de três, quatro, cinco anos, é um planejamento para o futuro.

Os setores de energia renováveis – eólica e solar – pediram para que esses leilões acontecessem mas o governo resolveu pausar durante esses dois anos. Se esses leilões tivessem acontecido, teríamos um parque maior de eólica e solar que poderia atender o sistema. Como não aconteceram, continuamos usando as usinas térmicas cada vez mais nesses cenários emergenciais, inclusive importando energia da Argentina e do Uruguai. Somado a isso, é que agora temos uma matriz elétrica que é o dobro daquela de 20 anos atrás, mas temos novos gargalos de transmissão de eletricidade. Existem muitos empreendimentos, principalmente de energia solar, que querem ser contratados no mercado livre e estão tendo que esperar porque é necessário um reforço da transmissão. É possível resolver essa problemática, mas não dá para resolver para amanhã.

Corremos o risco de um novo apagão?

Sim, corremos o risco. Apesar de o governo afastar o risco de racionamento, a sua comunicação está sugerindo que as pessoas não consumam tanta energia nos horários de pico. Se o risco não estivesse aí, a comunicação não seria dessa forma, porque o governo é o primeiro interessado em que essa situação não aconteça porque tem impacto sobre a sociedade e a economia. É a restrição do uso de energia impedindo a retomada econômica que o Brasil precisa.

Hoje há algumas medidas paliativas que podem ser adotadas. Dá para contratar mais térmicas, que são mais caras e têm um impacto direto na tarifa do consumidor, não mais na bandeira vermelha, mas bandeira vermelha patamar 2, que é ainda mais cara. Também é possível implantar a eficiência energética que é o último ponto a ser usado. Seria a adoção de um conjunto de medidas de uso racional, como a substituição de equipamentos, consciência de uso etc., que passam também pelo gerenciamento da demanda. Tem bastante gordura para evitar mas historicamente se lança muito pouco mão dessa alternativa.

Como o sistema é interligado, todo o País sofreria o apagão. Mas existe uma diferença em relação ao racionamento de 2001. O Nordeste naquela época era um notório importador de energia e hoje, ao contrário, a região apresenta uma geração bem grande de eólica com a missão de destinar energia para os estados mas, também, enviá-la para o Sudeste, que é o grande polo de consumo. Mas há que se prestar atenção nos gargalos que mencionei, na dinâmica do sistema, porque a eólica e a solar são fontes flexíveis, que têm que despachar energia quando ela está sendo gerada pelo sol e pelo vento (elas não podem ser armazenadas), diferente das despacháveis, como as hidrelétricas com reservatório e as térmicas.

Essa dinâmica também tende a afetar o cenário de racionamento. Para citar um exemplo, está sendo discutida agora pela MP da Eletrobras, a contratação de térmicas que operam o tempo todo e não de forma emergencial. Isso também tende a afetar de maneira negativa a eólica e a solar. Estamos num paradoxo no qual temos o risco de falta de energia mas desperdiçamos energia eólica e solar. Então, voltamos à questão da transmissão que precisa ser reforçada.

Você poderia explicar melhor esse gargalo na transmissão?

A questão é bastante técnica mas o foco é que a prioridade tem quer ser dada para essas fontes flexíveis. Quando há sol e vento, elas têm que escoar a energia para o sistema. E a gente vem de um sistema que foi durante décadas e décadas hídrico, depois passou a ser hidrotérmico. Então, costuma-se operar com essas duas fontes em primeiro lugar e, no caso de excesso de energia, as primeiras que são “cortadas” são a eólica e a solar.

Essa é uma discussão que está aberta com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), sobre como essa energia deixaria de ser desperdiçada e como fazer a sua remuneração. Isso é uma novidade. A eólica é a segunda fonte da matriz energética do País com 18 GW de capacidade instalada, a solar vem a seguir com 9 GW. Hoje temos uma matriz realmente múltipla.

A lição de casa é como equacionar todas essas fontes e saber como as termoelétricas vão entrar nesses momentos, nessas brechas. Isso ainda não está acontecendo. As térmicas têm prioridade algumas entram no período emergencial, outras operam o tempo todo como as nucleares e as térmicas a carvão. O que precisa acontecer são duas coisas: o tráfego de todas essas energias tem que ser melhor elaborado e reforçar as redes de transmissão para que mais usinas novas eólicas e solares entrem no sistema.

Você mencionou a medida provisória da Eletrobras. Por que tantos especialistas são contrários à forma como a privatização da estatal é proposta nessa MP?

Essa é a maior discussão do setor elétrico no momento e esse é um daqueles raros momentos quando é unânime o desacordo em relação ao que está sendo proposto. Só o Ministério de Minas e Energia e o Governo Federal apoiam a MP. O racional da privatização da Eletrobras seria enxugar custos e com o resultado final ter uma tarifa mais barata para o consumidor. Só que como toda MP, existem os “jabutis”, as propostas que acabam entrando de contrabando. Algumas dessas propostas são relacionadas à reserva de mercado para determinadas fontes de energia e o setor elétrico está acostumado, há 15, 17 anos, operando com esquemas de leilões em que ganha a competitividade, ou seja, ganha o empreendimento mais econômico e isso tem reflexo positivo sobre a tarifa do consumidor.

O que a MP está propondo é uma quantidade grande de térmicas a gás contratadas, que não vão disputar com outras fontes – ou seja, elas vão ter entrada garantida. E não só isso: elas não vão operar de maneira emergencial, vão operar full time. Isso vai significar mais custos e mais emissões de gases de efeito estufa. A grande parte das térmicas a gás que temos hoje operam 20%, 30% do tempo, e o combustível que utilizam é caro. Se elas vão operar 70% a 80% do tempo, vão usar muito mais combustível e as emissões serão muito maiores. Quanto mais as térmicas “bloqueiam” o sistema e ficam com esse espaço garantido, menor é o espaço para as renováveis. O País está deixando de usar uma energia que está instalada pronta para ser escoada para o sistema. Essa preocupação não é só do setor de eólica e solar, mas do setor elétrico como um todo. A preocupação do Iema é com as emissões, o instituto é uma entidade voltada para levantar os impactos socioambientais do setor elétrico. Nós monitoramos a qualidade do ar, a emissão de poluentes atmosféricos e constatamos que se a Eletrobras for privatizada, como prevê a MP, haverá um aumento de 25% das emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico.

Leia a entrevista completa na edição 183.3 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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