A saga da volta de Suape à ferrovia Transnordestina

*Por Rafael Dantas

O trem da história que parecia levar a Transnordestina para distante de Suape começa a sinalizar uma mudança de destino. Atualmente, apenas o trecho de Eliseu Martins (no Piauí) até Pecém (no Ceará) ainda está assegurado no empreendimento. No entanto, o ministro dos Transportes Renan Filho fez durante sua passagem no Recife as declarações mais contundentes sobre a decisão política de manter a linha Salgueiro-Suape no projeto. Do pronunciamento para a assinatura dos contratos e a realização das obras há ainda um percurso sinuoso a ser atravessado, mas agora com uma expectativa mais positiva para Pernambuco de enxergar o final desse túnel de incertezas do modal ferroviário.

As declarações de Renan Filho causaram otimismo entre os pernambucanos, com grandes manchetes. Porém, a mesma decisão já havia sido informada em uma visita aos senadores pernambucanos há um mês. A ênfase do posicionamento do Governo Federal e os caminhos indicados pelo ministro indicam que alguns passos foram dados nessas semanas.

No dia 12 de abril, o ministério havia informado à Algomais que pretendia fazer um estudo de alternativas de ações para a retomada do trecho pernambucano. Inicialmente, isso seria feito pelo próprio ministério e suas vinculadas, como a Infra SA. Os caminhos apresentados por Renan Filho sinalizam as alternativas.

“O presidente Lula, diferentemente da decisão anterior, não vai permitir que Pernambuco fique de fora. Vamos buscar outras alternativas para atrair outros investidores privados, ou mesmo se não tiver essa alternativa, o Governo vai tocar o trecho de Pernambuco com recursos públicos federais, para que a gente tenha a condição de integrar o Nordeste como todo”, informou o ministro em entrevista para uma TV local.

“(O trecho) de Salgueiro até o Porto de Suape pode ser feito por recursos privados, se houver interessados, tem até uma autorização que pode ser viabilizada, ou ser feito concomitantemente com recursos públicos. Não vai esperar o outro trecho ficar pronto. O governo pode iniciar, inclusive já. Precisa ser feita uma tratativa, porque o projeto é da concessionária. A gente precisaria discutir todas essas questões, mas isso já está em discussão”.

São três caminhos mapeados. Um novo investidor privado para o trecho pernambucano da concessão à Transnordestina, a execução pelo próprio poder público da linha Salgueiro-Suape ou a viabilização de uma autorização ferroviária do porto pernambucano até o entroncamento de Salgueiro.

A Bemisa conquistou no ano passado uma autorização para construir a ferrovia de Suape até Curral Novo (Piauí). As indicações da discussão em andamento, no entanto, indica uma autorização apenas até Salgueiro, evitando assim duas ferrovias seguindo em paralelo desse município até o Piauí.

A volta da concessão à TLSA, como era antes do aditivo assinado em dezembro que retirou o trecho pernambucano, não está descartada, mas é uma alternativa que foi muito criticada durante a primeira audiência pública realizada na Alepe sobre o empreendimento.

Resolvido esse passo inicial, de decisão sob qual modelo será construído a linha pernambucana, o seguinte é a viabilização do financiamento das obras em Pernambuco. Mesmo no Ceará, que tem a TLSA como concessionária, os recursos totais para conclusão das obras ainda estão em discussão. Para o trecho cearense, a CSN, grupo que controla a TLSA, estimou necessidade de R$ 7,9 bilhões para finalizar a obra. Em Pernambuco, a conclusão dos 206 quilômetros demanda um investimento previsto de R$ 5 bilhões, segundo declarações do ministro Renan Filho.

Nesta semana, o presidente do BNB (Banco do Nordeste do Brasil), Paulo Câmara, informou que a instituição pode ser um dos caminhos para viabilizar o financiamento das obras. “A gente sabe da importância da Transnordestina para Pernambuco, Ceará e Piauí e queremos participar do empreendimento nestes três Estados porque sabemos da importância dele para o desenvolvimento da região”, afirmou o presidente em um encontro promovido pelo Ciepe (Centro das Indústrias de Pernambuco). Ele indicou que no momento em que o investidor privado, a exemplo da Bemisa, iniciar a construção, o BNB vai ajudar.

O montante necessário para cobrir os dois ramais, no entanto, exige mais fontes de financiamento. A CSN fala em buscar financiamento de R$ 3,5 bilhões do FNDE (Fundo de Desenvolvimento do Nordeste), mais R$ 800 milhões do BNB, que já estariam aprovados, mas não liberados. A própria CSN entraria com R$ 3 bilhões e o restante seria buscado junto ao BNDES.

Mesmo entre os cearenses há dúvidas sobre a engenharia financeira para concluir a Transnordestina, como explicou o deputado José Airton Félix Cirilo (PT-CE), durante reunião da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, realizada neste mês. “Infelizmente esse processo vem sofrendo muita descontinuidade, algumas por falta de recursos. Outras, ao meu ver, em função da própria empresa, porque ela não iniciou as obras do começo, que era em Eliseu Martins. Começou do meio, para não chegar no início nem no final. Uma coisa meio complicada. Não sei qual foi a estratégia da empresa. Essa obra vem perpassando quatro governos e não conseguiu sua conclusão, nem na parte do Piauí, nem na parte do Ceará, muito menos em Pernambuco.”

Apesar do anúncio do Governo Federal de retomada do trecho pernambucano do empreendimento, o economista e professor do Unit-PE, Werson Kaval, acredita que o percurso ainda é longo. “Existe horizonte, mas a negociação não deve ter prazo tão curto. Acredito que seja de um a dois anos para a negociação sair”.

Entre as alternativas postas à mesa, ele avalia que um consórcio público seria o melhor caminho. “A esfera pública é a maior fornecedora de infraestrutura para que o Estado cresça. A Transnordestina é um projeto de desenvolvimento regional, a definição por um consórcio público seria a melhor saída”. Werson avalia que o consórcio pode ser realizado em parceria com uma empresa privada ou mesmo entre entes públicos. “Se a gente pensar, quanto mais instituições, pessoas, Estados e esferas envolvidos, maiores as dificuldades. Entendo que do ponto de vista público, se pudesse ser feito pelo Governo Federal em parceria com Governo Estado seria a melhor saída”.

MOBILIZAÇÃO PELOS PRÓXIMOS PASSOS

O deputado federal Pedro Campos, vice-presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Nordeste, está em articulação com parlamentares dos demais Estados da região para realização de uma audiência pública sobre o empreendimento. A Bancada já se reuniu com a ministra Simone Tebet e convidará a TLSA, a Bemisa, o Ministério dosTransportes e os governos locais para um diálogo no Congresso.

“Estamos na construção do melhor caminho para que a gente possa ver a Transnordestina ser construída como um todo. Ainda não foi marcada a data da audiência pública, a gente está tentando viabilizar para que aconteça ainda no primeiro semestre. A expectativa é que a gente possa, logo após o período junino e antes do recesso parlamentar, marcar essa audiência pública”, projetou o deputado Pedro Campos.

O parlamentar cearense José Airton Félix Cirilo informou que começou a tratar sobre os caminhos para a obra avançar e que tem forte expectativa na audiência pública proposta pelo deputado Pedro Campos (PSB-PE). “Há uma questão que eles alegam financeira, para viabilizar a retomada dessas obras que são muito importantes. Daí, creio que essa audiência será muito importante para o Nordeste e para o Brasil, pois será uma obra de integração. Esse é um dos grandes gargalos que o Brasil tem, que não priorizou a matriz das ferrovias. Esse setor poderia contribuir muito para o País avançar nessa matriz que é estratégica para o desenvolvimento de qualquer país”.

Na Assembleia Legislativa está em andamento também o trabalho da Frente Parlamentar em Defesa da Transnordestina. Após duas audiências públicas, que ouviram o secretário de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcanti, e os deputados federais, os próximo passo será na segunda-feira (12/06), quando os deputados estaduais receberão representantes dos ministérios dos Transportes e do Desenvolvimento Regional; da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres); do DNITT (Departamento de Transporte Ferroviário da Secretaria de Transportes Terrestres, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes); e da Infra, empresa que faz parte do consórcio da TLSA.

Dentro do debate para atração do investimento, o deputado estadual João Paulo tem destacado também a inclusão da preocupação com os impactos sociais com a vinda da ferrovia. “A Transnordestina vai trazer progresso e desenvolvimento, vai transportar minérios de ferro, gesso e produtos agrícolas, aquecendo a economia. Mas também é o momento para cuidar das comunidades da área do entorno da Transnordestina, das famílias que ocupam diversas áreas. Nesse debate com o Governo Federal temos a preocupação com as comunidades de baixa renda que estão ao longo do trecho da ferrovia”, apontou o deputado.

Pela comunidade empresarial de Pernambuco, que tem um grande interesse em dispor da infraestrutura ferroviária para aumentar sua competitividade, há uma articulação envolvendo 12 organizações que formularam e assinaram o documento Transnordestina Já!

“É preciso insistir que a Transnordestina completa não pode ser vista apenas como um projeto que visa ao retorno financeiro de curto prazo. Mas, sim, como instrumento de política de desenvolvimento para uma região que necessita de infraestrutura e, por isso, demanda investimento de recursos federais. Com a Transnordestina, viabilizam-se as condições para que novas cadeias produtivas que demandam transporte ferroviário se instalem e se desenvolvam no Nordeste, acelerando o desenvolvimento econômico, com a geração de emprego e renda, para que nossa população prospere, reduzindo a histórica desigualdade regional no Brasil”, defenderam no documento as organizações.

O documento de cobrança da execução do empreendimento foi entregue pelo consultor Francisco Cunha e pelo presidente do CREA-PE, Adriano Lucena, em mãos à ministra Simone Tebet, durante sua vinda ao Recife.

SALGUEIRO NA EXPECTATIVA

Ponto de entroncamento dos trechos da Transnordestina para Suape e para Pecém, a cidade de Salgueiro espera com ansiedade a resolução do imbróglio que atrasou as obras e a operação do modal. O professor da área de logística do Senac e da Universidade de Pernambuco em Salgueiro, Guilherme Magalhães, avalia que o empreendimento é uma das esperanças do município para dar novos passos de desenvolvimento socioeconômico.

“Estamos em uma região deficitária de recursos e oportunidades. O Sertão Central, onde a cidade está inclusa, tem deficiências e necessita de oportunidade e de investimento, principalmente para geração de postos de trabalho. Após um boom financeiro e de arrecadação municipal, a paralisação da Transnordestina foi uma perda grandiosa para a Salgueiro”, destacou Guilherme.

Ele lembra que a cidade é a sede da Fábrica de Dormentes, que serve à construção da ferrovia. Além disso, Salgueiro será uma plataforma multimodal logística quando a Transnordestina iniciar sua operação. A expectativa do município com a ferrovia é de atrair centros de distribuição, unidades de formação de mão de obra, entre outros equipamentos de serviços para suporte à operação.

O especialista em logística reforça a expectativa de atrair para Salgueiro as frutas do Vale do São Francisco e o gesso da região do Araripe. “Outras riquezas naturais serão viabilizadas pela operação de um modal ferroviário, que tem um custo muito barato de operação. Fora isso, Pernambuco terá o benefício de diminuição da depredação das rodovias”.

As definições do modelo que será adotado para a retomada das obras, dos investimentos e dos prazos para conclusão são urgentes para Pernambuco. No ramal cearense, mesmo tendo ainda um cronograma de sete anos para concluir as obras, o diretor-presidente da TLSA, Tufi Daher Filho, anunciou em entrevista a expectativa de iniciar em 2025 o funcionamento parcial. Mas as desconfianças de que mais uma vez esse prazo possa ser descumprido são grandes. Em Pernambuco, as incertezas também não foram de todo eliminadas. E a luta continua pela Transnordestina.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e especialista em gestão pública (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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