Goiana: qual o cenário da preservação do patrimônio arquitetônico e cultural?

Com um conjunto de templos tombados, Goiana viu na última década a recuperação de vários deles por parte de iniciativa da paróquia da cidade e da Santa Casa de Misericórdia. Os recursos para as obras vieram de campanhas junto à população e , no caso da Igreja da Misericórida, do BNDES.

Goiana é uma das cidades pernambucanas com maior participação nas lutas históricas do Estado e que guarda no seu centro urbano um precioso conjunto de igrejas centenárias, conventos e monumentos tombadas pelo Iphan. Apesar da quantidade e do valor desses templos religiosos, a preservação deles sempre foi um desafio. Há 8 anos, a Algomais esteve na cidade em uma reportagem para observar o município que vivia a fase de construção do polo automotivo. “Uma característica singular de Goiana, em comparação a outras cidades que receberam polos industriais com alto volume de investimentos, é a riqueza do patrimônio histórico e cultural do município”, registrou a matéria em 2014, que identificou os edifícios religiosos deteriorados, fechados, com seus pátios ocupados pelo comércio popular. Há algumas mudanças nesse cenário, com melhorias, mas também com novas preocupações.

Igreja da Misericória e Largo da Misericórida. Com a remoção da feira na região frontal do templo, haverá um investimento do BNDES para segunda fase da reforma do patrimônio arquitetônico. Foto: Tom Cabral

Uma das relíquias desse patrimônio histórico, a Igreja da Misericórdia, começou a ser recuperada em 2016. Erguida no século 18, funcionou no seu anexo o único hospital da região por mais de em século. Um dos heróis da história de Pernambuco, o Vigário Tenório, teve suas mãos estão sepultadas na capela-mor desse templo. Pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Goiana, o templo e o seu prédio anexo receberam investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a revitalização. Em sua primeira fase, a reforma promoveu serviços de recuperação da torre sineira, esquadrias, cantaria, pisos, coberta, janelas, portas e instalações elétricas, além da pintura interna da igreja.

Um dos pré-requisitos para a segunda fase dessa obra era a remoção do comércio popular que se instalava no pátio frontal ao templo. “Através de um pacto entre a Prefeitura, o BNDES e Santa Casa da Misericórdia, foi realizada a remoção da feira do entorno. O Largo da Misericórdia era completamente fechado por bancos de feira, hoje esse espaço é ocupado por jovens, grupos de dança, capoeira. À noite, as pessoas estão passeando, tem recreação para crianças. A população passou a usar o largo imediatamente, pois havia carência de uso desses espaços. É importante olhar não apenas a recuperação dos monumentos, mas da ambiência da cidade. É preciso ter uma atenção nisso”, afirmou o provedor da Santa Casa de Misericórdia de Goiana, Bôsco Rabello. 

Bôsco Rabello: ” É importante olhar não apenas a recuperação dos monumentos, mas da ambiência da cidade. “

Estão previstos para a próxima etapa a restauração da capela, do altar-mor e do piso de pedra da igreja, além da adaptação dos imóveis a outros usos. O projeto de restauração dela transformará o conjunto arquitetônico em um centro cultural, preparado para receber exposições, apresentações culturais, com adaptação da nave ao uso de teatro e cinema (com equipamentos de projeção de imagem, som e iluminação cênica apropriados), além de estrutura para guarda e pesquisa do acervo documental.

Cruzeiro e Igreja do Carmo, em Goiana. Foto: Tom Cabral

Um dos espaços de destaque da cidade que também recebeu um novo cuidado foi a praça do Carmo, que abriga o Cruzeiro mais antigo da América Latina e está de frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo e o Convento de São Alberto, pertencente à Congregação dos Freis Carmelitas, restaurada entre 2017 e 2018. “Esse cruzeiro completou 300 anos em 2017. Mas como estava sem restauração na época não foi feita nenhuma festa para o tricentenário. Agora a Prefeitura Municipal e o Iphan fizeram a restauração da praça e uma limpeza nele”, afirmou o pároco da cidade, o padre José Edson Alexandre Ferreira.

O pároco chegou em Goiana justamente em 2017. E foi a partir daí que mais peças começaram a se mover para a recuperação do patrimônio arquitetônico da cidade, que são em sua maioria é gerido pela paróquia. “Todas as igrejas de Goiana, que integram o nosso Patrimônio Histórico, são tombadas desde 1938, mas várias estavam fechadas por falta de restauração mesmo. Goiana mudou muito nessa década, mas faltou um plano para o patrimônio histórico. Já que estávamos com grandes empresas chegando, o poder público deveria ter um projeto de revitalização, já que essas empresas têm interesse nesse tipo de investimento. Faltou esse projeto. Quando cheguei, em 2017, junto com as pessoas da cidade, começamos a fazer campanhas para recuperá-las”.

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos

A primeira a ser restaurada foi a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos, que estava fechada desde 2008 e foi reaberta em fevereiro de 2021. O padre considera que a recuperação desse templo foi a mais importante desse ciclo, pelo simbolismo dela para a cidade. O pároco informa que no ano passado a Igreja Nossa Senhora da Soledade, conhecida na cidade como Casa de Recolhimento, passou a funcionar um abrigo de idosos.  Em 2022, foi recuperada também a Igreja de Nossa Senhora do Amparo dos Homens Pardos, que estava fechada há tanto tempo que as pessoas da paróquia sequer sabem a data em que suas atividades foram interrompidas. Ela foi reaberta em abril deste ano.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pardos

Outro templo que recebeu recursos dessa campanha para a revitalização dos patrimônios religiosos de Goiana foi a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. A expectativa é que em pouco mais de um mês ela seja reinaugurada. Nela funcionava no passado o Museu de Arte Sacra de Goiana, que hoje tem um outro endereço. “O Museu de Arte Sacra foi para o Sesc Goiana. Fizemos um comodato entre a Diocese, a Paróquia e o Sesc. A gente cedeu as peças para eles reabrirem o museu. E o Governo do Estado ficaria responsável de fazer a restauração dessas peças”, declarou o padre.

Apesar dos avanços, nem todas as igrejas tombadas do município foram recuperadas. Um dos templos que está na área urbana da cidade, que já possui projeto de restauro é a Igreja Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos Cativos.

Igreja Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos Cativos

Além dos templos, os moradores destacaram que várias praças da cidade foram revitalizadas nos últimos anos, como a Praça da Bíblia, a Nossa Senhora do Carmo e a Mãe Rainha. A Praça do Artesão, inclusive, teve seu restauro e adoção feitos pela Sada Transporte, uma das empresas que atua no setor de logística do polo automotivo. O espaço, que estava abandonado há 15 anos, recebeu jardins, iluminação, calçamento e quatro esculturas na sua área central.

Praça do Artesão. Foto: Sada Transportes

PATRIMÔNIO CULTURAL

Enquanto o patrimônio arquitetônico tenha dado passos importantes, embora ainda existam igrejas fechadas a serem recuperadas, quando falamos de patrimônio imaterial outras preocupações estão no radar. Erivaldo Francisco de Oliveira, conhecido como Peu do Maracatu, é presidente do Maracatu Leão da Fortaleza. Como um dos incentivadores da preservação das tradições da cidade, ele destaca que a mudança do perfil do município tem afastado os jovens das atividades culturais. “Houve uma transformação na cidade que mexeu com todo mundo, inclusive nos grupos de cultura popular. Antes, o pessoal tinha pouca opção de trabalho, hoje tem muita. Mas hoje temos menos brincantes nas agremiações, nos maracatu ou nos caboclinhos. Há um certo esvaziamento das manifestações de cultura popular”.

Maracatu Leão de Fortaleza. Foto: Divulgação

Além da participação reduzida de brincantes, ele afirma que a subvenção de apresentações culturais das agremiações nos festejos, como no Carnaval, está congelada há muitos anos. “Há 10 anos a subvenção era o mesmo valor. Os grupos não conseguem sobreviver, buscam recursos em outras cidades para se manter. O grupo de cultura popular precisa ser valorizado, ter visibilidade. Não só os grupos, mas a cultura como todo precisa ser valorizada com politicas publicas, para que não sumam do município, para que não desapareçam”, afirmou Peu do Maracatu.

Se as novas rotinas da cidade reduziram a participação de brincantes nas atividades culturais, a proximidade ao polo permite a busca de apoios culturais, como no projeto Goyanna Terra Indígena. Um pouco antes do início da pandemia, foi realizada uma oficina de bordados apoiada pela Stellantis, ministrada por Manoelzinho Salustiano, para produção de estandartes e bandeiras de agremiações de Goiana, Itaquitinga e Itambé.

Registros do projeto Goyanna Terra Indígena.

O resultado desse trabalho foi para uma exposição no Sesc Ler Goiana. “O Projeto Goyanna Terra Indígena de início era apenas uma troca de saberes e aprendizado através da Oficina de Confecção de Estandartes para os associados da Accipe (Associação Carnavalesca dos Caboclinhos e Índios de Pernambuco) de Goiana, Itaquitinga e Itambé. O resultado desta Oficina ministrada por Manoelzinho Salustiano se multiplicou na Exposição, nas Rodas de Conversa e no Projeto Escola se tornando um marco para que a Cultura Popular de Goiana fosse iluminada. Foi um mergulho na verdade da cidade quebrando os Muros invisíveis para mostrar que os Grupos de Cultura Popular precisam de atenção, precisam ser ouvidos e inseridos no dia a dia de Goiana”, afirmou Peu do Maracatu. Após essa primeira experiência, ele afirma que está em desenvolvimento uma segunda fase do projeto, que deve atender outros municípios, além dos três já contemplados.

Essa matéria faz parte da série “Goiana: Uma década da chegada do polo automotivo” . O projeto teve apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Meta Journalism Project, em parceria com o International Center for Journalists (ICFJ).

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