Já pensou em dar um tempo no trabalho? Conheça o ano sabático

A escritora Elizabeth Gilbert é o tipo de pessoa que sempre viveu atarefada com o trabalho, tendo pouco tempo para relacionamentos e a própria família. Embora o sucesso profissional lhe possibilitasse comprar tudo que quisesse, ainda sim, não tinha tempo para si. Após se cansar da rotina, a nova-iorquina decidiu jogar tudo para o alto e viver uma nova experiência, e dessa vez, resolveu tirar um período sabático.

Essa história foi contada no livro Comer, Rezar e Amar, que foi adaptado para o cinema com interpretação da atriz Julia Roberts. Casos como esses podem ser encontrados em personagens reais. O engenheiro recifense Pedro Américo, 37, por exemplo, depois de um longo período trabalhando muito e viajando por motivos profissionais, sofreu de transtorno de pânico em 2012. “Precisei da ajuda de um psicanalista que me encaminhou para trabalhar com tratamentos holísticos (abordagem que analisa o indivíduo como um todo: físico, mental, emocional e espiritual), a partir de 2013. Foi quando conheci as técnicas do holismo e pude estudar em comunidades que trabalham com este tipo de terapia”, conta.

Em 2016, após ser demitido do emprego, o engenheiro encontrou uma oportunidade para vivenciar uma nova experiência: o período sabático. “Foi um momento de desaceleração que eu estava precisando, de buscar uma forma de vida mais tranquila e de me conhecer melhor”, explica. Américo, que já estava estudando algumas comunidades que trabalhavam com terapias, decidiu dedicar um ano ao espaço Osheanic, um centro de meditação, SPA e terapias que também promove eventos, retiro e treinamentos.

A calmaria do espaço, localizado próximo à Fortaleza, a 3 km da praia, numa vila de pescadores, possibilitou a Pedro Américo trabalhar melhor alguns conflitos internos, como o próprio transtorno de pânico. “A meditação e o contato com uma rotina totalmente diferente do que eu tinha antes me ajudaram a desacelerar”, conta. De fato, ele mergulhou de cabeça no ano sabático. Nesse período, fez uma visita à Escócia para conhecer a Fundação Findhorn, referência em comunidade. “Como estava conhecendo outras iniciativas em vida comunitária, decidi viajar para aprender sobre uma ferramenta de autoconhecimento chamada ‘o jogo da transformação’ e a rotina do lugar”.

Pedro Américo

Após um longo processo de integração no Osheanic, Pedro recebeu o convite de uma empresa para voltar a sua área de formação. O engenheiro, que já estava fora do mercado há um tempo, decidiu atender o pedido. Desde que foi morar no Rio de Janeiro para se dedicar ao novo emprego, ele tem procurado estabelecer uma ponte entre o mundo corporativo e a saúde, por meio da meditação, técnicas de massagem ayurvédica e de uma vida mais leve e sustentável.

A prática do período sabático que aos poucos vem ganhando força no Brasil foi inspirada no Shabbath judaico (um dia dedicado à renovação das forças e energias). Entretanto, no ambiente corporativo, este uso surgiu em 1880 por meio do convite da Universidade de Harvard para manter o filósofo Charles Lanman em seu quadro de docentes. Na proposta realizada ao professor, ele teria direito a um ano de descanso remunerado a cada seis anos de trabalho.

Segundo o psiquiatra Amaury Cantilino, diferentemente das férias, que em geral são no máximo 30 dias usufruídos para o descanso, o período sabático visa a vivenciar novos desafios e a busca de um autoconhecimento, sem um tempo definido para acabar. Para o especialista, reservar um período fora da rotina é muito produtivo e auxilia na criatividade do trabalho e nas atividades do dia a dia. “É uma experiência diferente, pois o indivíduo convive com uma nova cultura e passa a fazer parte de um ambiente desconhecido que o ajuda a criar forças e enfrentar desafios. Ele se renova”, justifica o psiquiatra.

Foi isso que aconteceu com os noivos Pedro Cunha, 30, e Erika Fiuza, 28, que moram juntos desde janeiro de 2017 e decidiram “dar um tempo” na correria diária. Eles se conheceram quando eram colegas no setor financeiro da empresa multinacional General Eletric. Juntos colocaram em prática o sonho de viajar pelo mundo e pensar em alguma ação social que contribuísse de alguma forma para fazer a diferença no Brasil. “Construímos um currículo muito competitivo dentro desta multinacional aliado às outras experiências anteriores, o que permite que a gente saia do mercado e volte daqui há dois anos, por exemplo, sem ficar obsoleto. Então, embora nós ganhássemos bem e tivéssemos uma vida estável, gostaríamos de fazer algo com um propósito maior”, explica Pedro Cunha.

Após decidirem viajar, pediram demissão da empresa em que trabalhavam há mais de seis anos e passaram a se planejar financeiramente. Cunha explica que a decisão não foi motivada por descontentamento com a carreira, mas sim em razão do momento de vida do casal. “Não temos filhos, o apartamento que a gente morava era da empresa e o carro também, além disso, já tínhamos guardado poupança para viajar, o que facilitou para colocar a ideia em prática”, relata.

Antes da viagem realizaram uma visita de 20 dias às Filipinas e de cinco a Guatemala e Belize como forma de testar as malas e os equipamentos que iriam utilizar para registrar as experiências. Em maio do ano passado deram início à jornada do período sabático e dividiram a viagem de um ano e meio em três etapas. A primeira nos países da Ásia, como Japão, Coreia do Sul, China, Tibete, Malásia, Nepal, Myanmar, Butão, Índia, Sri Lanka e Maldivas.

A segunda etapa será este mês, quando irão para o Sul da África e retornarão em setembro ao Brasil. Depois passarão mais dois meses no País e em outubro realizarão a última viagem sabática pela Ásia Central (Cazaquistão e Irã, por exemplo) e dois meses no Norte da África. Em cada etapa eles vão realizar um intervalo de dois meses na sua terra natal para digerir o que viveram, renovar as energias e estar com a família, para voltar “com mais gás” a viajar. “Usamos o conhecimento e as experiências das viagens para empreender. No meu caso, estou engajado na área educacional, então, quando estou no meu Estado, procuro discutir com autoridades e responsáveis no assunto. Assim como Érika, que tem investido em negócios voltados à inclusão dos jovens no mercado de trabalho”, conta Pedro Cunha. Ao retornarem em abril de 2019, vão se dedicar aos projetos sociais.

Acostumados a viver com a agenda cheia e uma vida de regalias, eles confessam que depois da primeira viagem já começaram a sentir algumas mudanças. “Éramos tão atarefados que não nos atentávamos aos problemas sociais que existem debaixo dos nossos olhos. Depois de passarmos por tantos lugares diferentes, conseguimos enxergar as coisas de forma mais clara. Para mim, trabalhar com algum projeto que ajude o próximo virou uma prioridade”, decidiu Pedro Cunha.

*Por Paulo Ricardo Mendes

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