Janelas no Oitão (por Joca Souza Leão)

A borboleta amarela, na crônica de Rubem Braga, voou para o oitão da Biblioteca Nacional. “Oitão, uma bonita palavra. Usa-se muito no Recife; lá, todo mundo diz: no oitão da igreja, no oitão do Teatro Santa Isabel… Aqui (no Rio) a gente diz do lado. Dá no mesmo, porém oitão é mais bonito.” E precisa mais? Se precisasse, eu diria, além de mais bonito, é mais preciso.

Mas oitão também é o espaço entre duas casas. Nem todas têm oitão. Algumas são geminadas (parede-meia), coladas umas às outras, como a maioria das casas antigas do Recife e Olinda.

Há casas com um oitão e casas com dois oitões. Sempre, o da direita, à direita de quem olha para a casa, mais largo, é passagem de carro para a garagem que fica no quintal. E também passagem para os visitantes que têm intimidade com o dono ou a dona da casa: “Ele entra pela porta da cozinha”. Os que não têm intimidade são, diz-se, de cerimônia. Se anunciam, batem palma ou tocam a campainha, e entram pela porta da frente. Até pouco tempo, pelo menos, era assim.

Aqui (não sei se no resto do Nordeste) e em Portugal ainda se fala oitão. Não fala tanto, mas fala. Quem mora em apartamento, mesmo, não chama o espaço entre um edifício e outro de oitão. Chama de área. Mas, se for explicar a alguém onde fica a Rua Direita, ensinará, certamente, que fica no oitão da Igreja do Livramento. Ou não?

Rio de Janeiro, inverno, anos 70. Peguei um táxi no Leme. “Botafogo, por favor.” Para facilitar a vida do motorista, um português de meia-idade, bigode eciano, vasto e levemente arqueado nas pontas, disse-lhe, além do endereço, uma referência: “Essa rua fica no oitão da Mesbla.” “És patrício, pá?” “Não. Pernambucano.” “Primeira vez que estou a ouvir um brasileiro a falar oitão, ó pá!” Bem, o fato é que a rua, meio escondida e pouco conhecida, foi facilmente localizada pelo portuga.

Terraço do (belo) apartamento da escritora Dayse Mayer. Ivanildo Sampaio no seu vinho e eu no meu uisquinho de sempre. Paula Costa e Silva, portuguesa, professora de Direito e colega da anfitriã na Universidade de Lisboa, tomando um Porto Vintage. Na conversa, não lembro mais sobre o quê, falei oitão. “Não ouço a palavra oitão há anos” – disse Paula. “Algumas palavras, que ainda são usadas aqui, estão a cair em desuso em Portugal.” E citou algumas, das quais lembro de duas, além de oitão: alcatifa (que tá virando ou já virou carpete) e encarnado (o “encarnado, preto e branco” do meu tricolor; que para os alvirrubros e rubro-negros é vermelho).

Por amostração, como dizem meus netos, recitei para Paula (ainda não disse que era bonita a rapariga, ó pá!) versos de Mauro Mota:

Ó velhos chalés de 1830 / eterniza-se entre as paredes os ecos das vozes invisíveis / habitantes. / Mãos de sombras femininas abrem de leve janelas no oitão.

P.S. Imperdível: Contos da Era das Canções e Outros Escritos, livro de Aluízio Falcão que será lançado em novembro.

*Por Joca Souza Leão

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