O fim dos advogados? (por Gustavo Costa)

Lançada há 10 anos no título do best seller do aclamado consultor britânico Richard Susskind (The End of Lawyers? Rethinking the Nature of Legal Services – Oxford University Press, 2008), a provocativa questão precipitou, na advocacia, desafios como tecnologias disruptivas, inteligência artificial, commoditização, terceirização, off-shoring, entre outros profundos impactos da globalização e revolução tecnológica no mercado de serviços jurídicos.

Não faltaram entusiastas animados com o extermínio dos advogados do mapa, tampouco foi menos radical a reação da advocacia tradicionalista, em permanente estado de negação. O choque de realidade veio em plena crise financeira (2009), no singular evento da transferência da contratação de toda operação jurídica da mineradora multinacional Rio Tinto para a Índia. Não apenas os serviços rotineiros, que já eram terceirizados pelas firmas britânicas, mas também os mais complexos. Globalização, terceirização e off-shoring jurídicos na veia.

Uma década depois, os advogados não desapareceram nem as teses do livro mostraram-se exageradas. Enquanto a advocacia britânica sai da inércia, adaptando-se aos “modelos alternativos de negócios” (Alternative Business Structures – ABS), ampliando sua atuação para nichos complementares e mercados transnacionais, inclusive ensaiando a capitalização de investidores externos, a pressão tecnológica não dá trégua: lawtechs, difusão de serviços jurídicos online e ativos criptografados, como os smart contracts, miram precisamente na eliminação dos intermediários advogados.

As acertadas previsões de Richard Susskind imaginaram cinco categorias de advogados sobreviventes: 1) o expert trusted adviser, o velho e criativo consultor, provedor de serviços sob medida – embora nem todos os clientes os demandem, e poucos advogados sejam dignos de os ofertar; 2) o seu contraste seria o enhanced practioner, larga categoria formada por paralegais e terceirizados, cujos serviços rotineiros serão padronizados, empacotados e de baixo valor; 3) a terceira categoria do legal knowledge engineer, um tipo de analista jurídico de dados, desenvolvedor de processos e sistemas padronizados; 4) o legal risk manager atuará, basicamente, desenvolvendo soluções preventivas de alto impacto; 5) e, finalmente, o legal hybrid, um superadvogado com rigorosa formação muldisciplinar em áreas relacionadas ao direito, capaz de entregar soluções completas de alto valor agregado.

Entre nós, no Brasil dos mais de um milhão de bacharéis, das mais de 1100 faculdades de direito, as provocações do livro voltam a me ocorrer neste mês dos advogados, acompanhada de outras questões essenciais: esse exército de profissionais supostamente qualificados tem merecido o seu status constitucional indispensável ao nosso sistema de justiça? O nosso sistema de justiça e os seus indispensáveis advogados entregam serviços com produtividade e eficiência? O nosso sistema de justiça e os advogados servem a quem? Afinal, os destinatários dos seus serviços estão satisfeitos com sua qualidade, preço e relevância?

Advogados, taxistas e provedores intermediários em geral têm algo em comum: no globalizado e digitalizado século 21, quem paga pelos seus serviços são clientes mais informados, exigentes e equipados com novas alternativas tecnológicas. Não vale recorrer à força da tradição e ao medo do novo; à regulamentação restritiva, limites à publicidade, tabelamento de remuneração ou reservas de mercado; muito menos ressentimento contra o mercado ou dogma da “mercantilização” da profissão. A reinvenção começa pelo modelo mental.

A caminho do escritório, tenho sempre refletido sobre em qual das cinco categorias acima previstas posso me encaixar. Enquanto utilizo o Uber.

*Gustavo Costa é advogado

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