Cláudio Fernandes: “O mercado muda, a gente muda também” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Cláudio Fernandes: “O mercado muda, a gente muda também”

Cláudio Fernandes, Socio-fundador do Trino, conta como o grupo tem-se adaptado às constantes transformações do mercado de logística, com o uso de tecnologia e oferecimento de novos serviços. Essa capacidade tem garantido à empresa se destacar frente à concorrência com multinacionais.

Saber perceber as tendências do mercado e ter a capacidade de rapidamente se adaptar a elas é uma receita de sucesso nestes tempos fluidos de transformação digital. O Grupo Trino é prova disso. Com atuação na área de logística e armazenamento, passou a oferecer novos serviços e introduzir novas rotinas de acordo com a demanda. Os supermercados, por exemplo, estão com lojas menores e menos espaço para estocar. “As entregas que eram feitas semanalmente, passaram a ser quase diárias”, compara Cláudio Fernandes, diretor administrativo e sócio-fundador.

Hoje a Trino oferece também serviço de armazenagem indoor nos espaços dos clientes e ainda faz o inventário da carga com o uso de sofisticadas tecnologias. Com o apelo cada vez maior das energias renováveis, grupo está testando o uso de caminhões elétricos. A agilidade em se ajustar às rápidas exigências do mercado permitiu à empresa crescer 14% no ano passado e projetar um crescimento semelhante para este ano.

Com 1.300 funcionários distribuídos nas operações do Norte, Nordeste, Minas Gerais, São Paulo e Bahia, o grupo conta com cinco filiais, duas em Pernambuco, e uma em Salvador, em São Paulo e na Paraíba. A inovação está no DNA do Trino mas também da família de Fernandes que compartilha a gestão da empresa, como sua mulher Edla Couto, e se perpetua na nova geração, com as filhas Cláudia e Jessica, que já atuam na direção do grupo.

Como começou a trajetória da Trino?

Bem, a empresa, inicialmente, não foi idealizada do jeito que é hoje. Nós prestávamos serviços artísticos; fazíamos shows, eventos de empresas, na década de 1980. Quando Fernando Henrique assumiu o governo, houve muita mudança de moeda e esse serviço artístico ficou muito caro para as empresas pagarem. Por isso, sentimos a necessidade de agregar outros serviços.

Procuramos fazer mais eventos para o setor corporativo, ou seja, alugar nosso espaço, que ficava no bairro de Casa Forte, para convenções e para treinamento. Contratamos instrutores, psicólogos, consultores, para ofertar aos clientes. Mas as várias trocas de moeda deixaram as empresas sem capital de giro e o investimento em treinamento baixou muito. Então, demos uma parada. Fui trabalhar na iniciativa privada e minha esposa, Edla, foi atuar no ramo de terceirização de venda de serviços. Mas nossa empresa estava lá, adormecida.

Após um ano, tivemos um convite do Bompreço para fazer um serviço de beneficiamento de laranjas. Eles adquiriram máquinas para embalar a fruta, mas não conseguiam fazê-las funcionar. Nós conseguimos colocar as máquinas em operação. Fizemos um contrato de produtividade para fazer esse gerenciamento e colocamos as laranjas para embalar. Como isso era um pepino muito grande para o pessoal da logística, eles ficaram muito gratificados.

Aí, surgiu a oportunidade de fazermos a movimentação de cargas dentro do Walmart. Eles tinham uma demanda muito variável, porque havia época em que chegava muito caminhão e outra, que tinha menos. Mas eles tinham muito custo com mão de obra, por isso, queriam uma empresa que fornecesse um custo variável. Como a gente já estava lá, eles nos ofereceram esse serviço. Depois vieram outras empresas, algumas multinacionais, fomos oferecendo propostas de serviço para elas até o ponto de abrirmos um armazém na Muribeca, onde movimentamos produtos como os da Whirlpool (Brastemp e Consul).

Depois entramos na área da armazenagem frigorificada no Cabo de Santo Agostinho. Havia algumas empresas que ofereciam esse serviço, mas com problemas. O cliente às vezes vendia um produto, que ele tinha em determinada data e, na hora de entregar, não tinha mais porque o produto foi trocado por um de data mais antiga e o cliente não queria aceitar. Vimos aí uma oportunidade para trabalhar com equipamentos de informática, de controle, de WMS (Sistema de Gerenciamento de Armazém).

Isso nos fortaleceu muito porque ficamos tanto no segmento de secos com o galpão na Muribeca, quanto no segmento de frio, no Cabo. Começamos a ser vistos. Como trabalhamos para o Walmart, com o Bompreço, depois com a JBS Friboi (fomos diversas vezes eleitos o melhor operador da JBS nacional), fomos agregando ao nosso portfólio esses clientes. Hoje já prestamos serviços para a Seara, para a BRF, para a Pepsico do Brasil. Tivemos que começar a vender serviços ao cliente.

Que tipo de serviços?

Muitas empresas tinham o armazém e o produto, mas não a expertise de controle de movimentação e de inventários que temos. Dava muita diferença o inventário dos clientes. Isso começou a encantar o mercado e a abrir segmentos dentro de indústrias e dentro de outros clientes nossos. Foi o caso da Pepsico do Brasil. Hoje temos uma operação na fábrica do Cabo, temos um CD deles na Muribeca, outro em Simões Filho (BA) e temos na fábrica também em Feira de Santana (BA).

Começamos também a prestar serviço em empresas do segmento vidros. Trabalhávamos com o Grupo Brennand. Depois para Owens Illinois que é a Cisper. Hoje temos atividade na planta da Várzea, em Vitória, e na unidade de São Paulo. Começamos a avançar e abrir filiais. Desbravamos essa parte do Norte/Nordeste, montamos a operação em Minas Gerais, onde temos como cliente a rede Drogaria Araújo. Então hoje temos tanto a parte de frio, de galpões secos e a parte de atendimento ao cliente indoor. Montamos um braço também de facilities, que é a parte de limpeza, conservação e jardinagem. Não é forte nosso, mas é um serviço que oferecemos em razão da demanda dos clientes.

Como vocês desenvolveram essa expertise de logística e armazenagem?

Sou engenheiro eletrônico e fui treinado muitos anos em fabricação de produtos. Trabalhei na Philips. Como eu estava muito ligado à produção, à produtividade e com bom conhecimento de inglês, já tinha lidado com outras máquinas de montagem, mas não com a que embalava laranja do Bompreço. Eu tinha formação em controle de qualidade e fazia avaliação de carga. Com o tempo, empresas começaram a terceirizar conosco. Passamos a oferecer soluções. Fomos agregando ao longo do tempo conhecimento técnico, trouxemos profissionais do mercado para áreas de logística, de manutenção e de limpeza.

Qual a formação de Edla?

Edla é formada na área de relações públicas. De 1998 até 2010, ela ficou só à frente da empresa. Eu dava suporte no trabalho mais técnico, mas quem estava no dia a dia do cliente era ela. Eu trabalhava numa multinacional. Em 2010 saí do mercado e fui trabalhar no nosso projeto dos armazéns.

E como está o mercado de logística hoje?

É um mercado crescente, com a demanda sempre aumentando. Trabalhamos com muitos clientes que produzem alimentos. O mercado muda, a gente muda também. Antigamente, por exemplo, se estocava bastante. Um produto para o Natal, como o peru, chegava aqui em abril. Hoje o peru chega dia 10 de dezembro para ser vendido até dia 24. Nossas câmaras e nosso estoque foram dimensionados para guardar produtos por muito tempo só que esse tempo de guarda foi diminuindo muito.

Qual o motivo dessa mudança?

Mudou o comportamento do público. Antes fazia-se muita refeição em casa ou se levava a refeição de casa para o trabalho. Muita gente migrou para comida congelada. As grandes porções acabaram, as pessoas não compram mais a peça inteira, compram quarteada, porcionada, houve muito incremento desses alimentos de valor agregado, nuggets, refeições prontas.

As entregas que eram feitas semanais, passaram a ser quase diárias, porque os supermercados diminuíram de tamanho, não tem área para estocar. Eles pegavam dez caixas, passaram a pegar uma ou duas. Aqui no Nordeste a gente trabalha muito com alimento congelado. O pessoal do Sul compra muito resfriado. Essa tendência está chegando aqui agora, você vê que os supermercados estão oferecendo bem mais produtos resfriados, a parte congelada sendo reduzida. Antes tínhamos câmaras 100% congeladas, tivemos que mudar nossas câmaras para resfriar. A parte de importação que teve um boom quando Suape estava rodando bem, trazia muito produto de fora, tínhamos contêineres dentro da nossa unidade. Hoje não temos mais essa demanda.

Não tínhamos frota própria, agora temos a necessidade de ter porque o serviço de distribuição, ou seja, de entrega desses pequenos pedidos está acontecendo, é uma tendência que você vê na Amazon, no Mercado Livre. Essas pequenas entregas diárias também estão migrando para os alimentos. É por isso que a gente diz que aqui ninguém dorme em serviço porque todo dia é uma novidade.

Vocês trabalham com drones?

Sim, usamos para fazer os inventários cíclicos e mensais por trazerem muitos ganhos, como a redução de custo com locação ou aquisição de equipamentos chamados plataformas elevatórias. O colaborador com drone faz o inventário do piso e não mais atrelado a essas plataformas. O tempo de realização do inventário no modelo convencional era em média de 15 segundos por posição palete, hoje é de 5 segundos. O tempo é maior na altura maior por questões de segurança do trabalho e do deslocamento do equipamento.

Outro ponto importante é a redução de mão de obra. Para a realização do inventário na plataforma, a orientação é de duas pessoas por equipamento, já no drone basta uma pessoa. Além dos ganhos de produtividade, também há uma mitigação de riscos de acidente do trabalho, já que o operador vai estar no piso e não elevado numa plataforma de até 12, 14 metros. Vale também salientar que todo o registro é arquivado no WMS permitindo a consulta e conseguindo verificar o código do produto, descrição do lote, validade, etc.

Então vocês precisam estar sempre de olho nas tendências do mercado e no comportamento do consumidor?

Exatamente. As empresas tinham armazéns próprios só que eram um custo fixo, se elas tivessem o armazém cheio era um custo, vazio era o mesmo custo. E conosco elas pagam pela movimentação, ou seja, se elas movimentam mais, pagam mais. E tem também as questões das boas práticas, hoje se fala muito em energia renovável. Somos parceiros da JBS no projeto 100% Energia em que eles querem ter a frota de distribuição 100% elétrica. Estamos testando dois caminhões elétricos, devemos migrar para mais caminhões. Não tínhamos uma linha de caminhão, tivemos que entrar para ser parceiro deles, não tínhamos motorista, hoje temos motorista e entregador. Então o mercado vai ditando a norma.

A segunda geração da família já trabalha na Trino?

Sim. Começamos, com a ajuda de consultoria da TGI, a fazer essa passagem de bastão. Temos duas filhas, Cláudia e Jéssica, que hoje são diretoras trainee. Já subiram de nível, uma responde pela área de RH e política ESG, que é a Cláudia, e Jéssica responde pela parte financeira e comercial da empresa.

E como que é essa relação com as filhas que também são colegas?

Elas nos chamam seu Cláudio e dona Edla, não nos tratam por pai nem mãe no trabalho. Procuramos ser o mais profissional possível. Dizer que é 100% isento não é, mas a gente preza por isso, ou seja, muitos assuntos de casa não discutimos aqui, como procuramos não levar um assunto de empresa para dentro de casa. Elas começaram a fazer outros cursos, Cláudia é formada em ciências contábeis, começou a fazer curso na área de six sigmas e proatividade. Hoje está terminando o curso de psicologia, fez pós-graduação em gestão de negócios na FGV e alguns MBAs.

Jéssica é técnica em ciências contábeis, fez um curso de administração e está fazendo um curso de gestão de negócios, pós-graduação. Permitimos que elas vejam também o mercado lá fora, conheçam novas técnicas. Tentamos agregar isso tudo e participamos muito de congressos. Estamos trabalhando para tornar a nossa marca mais conectada, contratamos empresas na área de propaganda e mídia.

Tentamos inserir políticas, por exemplo, contratar mais mulheres nas nossas operações, ter percentuais de abertura de vagas para a população LGBT, já temos pessoas trans hoje trabalhando conosco. Tentamos ser uma empresa mais plural, mais aberta. Como todo funcionário passa mais tempo aqui do que em casa, é importante que a gente tenha uma convivência boa, que possamos reduzir o máximo possível o preconceito, os estereótipos que a gente tem desde nascença. Temos também uma parte de ouvidoria que faz todo esse controle, tanto de bem-estar das pessoas, como também a gestão dessa política ESG.

Como tem sido a participação de suas filhas na empresa, como você recebe as novidades que elas sugerem?

A novidade é apresentada nas reuniões semanais da diretoria. Trabalhamos com novos projetos, até porque em alguns clientes nós somos remunerados por novos projetos e por ganho de produtividade, por incremento de tecnologia. Então, isso sempre é visto com bons olhos. Quando não são trazidas espontaneamente, às vezes, são impostas por contrato.

Debatemos com o máximo de seriedade, logicamente, a maioria dos projetos exige investimento que fazemos de acordo com a capacidade financeira da empresa. O mesmo ocorre com as sugestões dos nossos parceiros. Ao invés de termos resistência ao primeiro contato da mudança, buscamos mais informação. Não procuramos saber muito quem está aplicando a ideia sugerida, somos meio kamikaze, gostamos de inovar. Analisamos: é novo? É bom? Tem futuro? Quais são os resultados? Quais são os riscos?

E quais são os projetos da Trino?

Tínhamos o projeto de expandir para Fortaleza e ter uma unidade física lá. Já tínhamos até parceiros, mas diante desse encolhimento do mercado, achamos melhor não avançar. Hoje avançamos na terceirização dos armazéns. Ou seja, esse modelo de adotar o estoque do cliente e trabalhar na casa dele é que deve ser nosso divisor de águas a partir deste ano, e é para o que o mercado está mais receptivo. Sabemos fazer bem, estamos nesse segmento há mais de 10 anos, já temos boas referências, o que nos dá a garantia de prestarmos esse serviço em outras cidades.

Temos algumas propostas para São Paulo e Santa Catarina. Estudamos com bons olhos, mas estamos também com certa reserva porque hoje as empresas trabalham financiadas pelo fornecedor e nós somos fornecedores. Às vezes, entramos com equipamentos de informática, toda parte de servidores, de cabeamento, de inteligência de software, fazemos a adequação do nosso sistema com o sistema do cliente, toda a parte de interface somos nós que bancamos. Às vezes entramos com empilhadeira, com material de movimentação, porta-paletes. Na hora em que você entra numa contrapartida dessa, os prazos de pagamento aumentam mais, então você tem que pensar mais financeiramente do que propriamente na capacidade de atender.

Mas, somos uma empresa pernambucana, desenvolvemos tecnologia, e mesmo sendo uma empresa familiar, temos um nível de profissionalização igual às nossas concorrentes multinacionais. Temos persistência, resiliência, trazemos inovação para ofertar sempre o melhor serviço ao cliente e ser ágil. Eu acho que isso é que tem garantido a nossa permanência no mercado até hoje.

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