Para onde vamos? A falta que faz o planejamento

*Por Rafael Dantas

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Pernambuco, o Nordeste e o Brasil perderam a capacidade de planejamento que tiveram no passado. O papel que instituições como o Condepe (Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco), a Fidem (Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife) ou mesmo a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) tiveram no passado já é pouco conhecido pelas novas gerações. Se no presente colhemos alguns frutos do que foi pensado décadas atrás, no futuro há um grande mar de incertezas diante das tendências globais e de desafios novos e antigos com que convivemos no Estado.

Na reunião de agosto da Rede Gestão, organização formada por 32 empresas e instituições especializadas em consultoria e prestação de serviços, o consultor Francisco Cunha realizou um levantamento histórico da capacidade de planejamento do Estado e apontou uma constatação preocupante: “Existem razões históricas que tornaram o Brasil um País sem planejamento, mas faço um destaque especial em Pernambuco. Embora se tenha preservado a capacidade formulativa privada, a estrutura de planejamento pública hoje é uma pálida sombra do que já foi”.

ORIGEM PROMISSORA DO PLANEJAMENTO DO ESTADO

Após uma longa trajetória de construção de instituições que deram suporte ao planejamento de longo prazo do Nordeste e de Pernambuco – como o Condepe, a Fidem e a Sudene – planejar o crescimento passou a ser tratado como sinônimo de burocracia. Curiosamente, muitos dos eixos que estão na agenda do dia de desenvolvimento econômico local foram gestados nesse período mais profissionalizado que desenhou os rumos do Estado.

O Porto de Suape e todo o seu complexo industrial, por exemplo, foram “profetizados” pelo padre dominicano francês Louis-Joseph Lebret na década de 1950. Ele veio a Pernambuco, na ocasião, não pela sua trajetória religiosa, mas pela sua vertente de planejador de referência internacional.

O ponto inicial que começou a mover o esforço por construir uma estrutura de planejamento em Pernambuco, no entanto, foi até anterior à vinda do padre. Em 1948, Pernambuco e o Nordeste viviam uma situação inusitada de ter a disponibilidade de energia após o início das operações da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco). Na sequência das discussões sobre para onde a região caminharia com esse novo cenário nasceram o Banco do Nordeste (1952) e a Codepe – Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (1952).

Foram os estudos e relatórios publicados por Lebret e as instituições, entre meados dos anos 1950 e 60, que apontaram os polos de desenvolvimento espalhados pelo território pernambucano. É identificada a necessidade de conexão ferroviária com o interior produtivo. O próprio padre Lebret indica que Pernambuco precisaria de um porto ao sul, devido à limitação geográfica de expansão industrial no Recife. Estão entremeados nesses insights as sementes de projetos estruturadores como a Transnordestina, o Complexo de Suape e dos programas de incentivo à industrialização de cidades protagonistas do Agreste e Sertão pernambucanos.

O economista Sérgio Buarque considera que a capacidade de planejamento que foi construída no País décadas atrás foi sendo enfraquecida diante da prioridade das gestões com os temas de curtíssimo prazo. “Isso é uma tendência do Brasil inteiro dos governantes serem atropelados pelas emergências e terem uma visão imediatista. Não conseguem planejar, menos ainda planejar no longo prazo. Tem uma frase famosa de um intelectual francês que eu gosto de citar, que diz assim: ‘quando é urgente já é tarde demais’. Além disso, muitos governantes não acreditam no planejamento”.

Particularmente sobre Pernambuco, o economista descreve que o enfraquecimento do planejamento acontece com o esvaziamento da estrutura da Condepe-Fidem nas últimas três décadas. “Não houve uma renovação de quadros técnicos, que foram envelhecendo. Há ainda os baixos salários. Essa instituição teve uma importância grande em Pernambuco. Em paralelo, nos últimos anos, surge um sistema bem estruturado, que é a Seplag (Secretaria de Planejamento). É um centro de excelência, mas para gestão e monitoramento. Com muito pouco de planejamento”.

Com uma estrutura decadente, o Condepe-Fidem resiste com quadros antigos, comprometidos e qualificados, mas muito esvaziado. Ainda no ano passado, em uma entrevista a Algomais, a então presidente Sheilla Pincovsky falou da iminência de aposentadoria de vários técnicos da instituição. Um cenário que se não for revertido de forma ágil, parte da memória desse período mais robusto de planejamento pode ser perdido, sem uma passagem de bastão para um novo momento da agência.

“Apesar do pioneirismo da atividade de planejamento estratégico público, Pernambuco foi perdendo ao longo do tempo essa capacidade. Isso se deu pelo envelhecimento das estruturas e pela perda de capacidade formulativa pública, confundida em determinado momento com capacitação em gestão”, avaliou Francisco Cunha. Para exemplificar isso, ele usou a ilustração de um hardware, a estrutura física ou institucional, sem software que faria operá-la, que está muito ligado aos recursos humanos”.

“Apesar do pioneirismo da atividade de planejamento estratégico público, Pernambuco foi perdendo ao longo do tempo essa capacidade”
Francisco Cunha

PREJUÍZOS DE HOJE DA FALTA DE PLANEJAMENTO

Durante a apresentação na reunião da Rede Gestão, Francisco Cunha destacou como Pernambuco perdeu algumas oportunidades, conectadas com as novas tendências do Século 21, por uma ausência de planejamento que as colocasse no horizonte do Estado. Uma dessas situações foi não ter avançado na conquista de um cabo submarino nos últimos anos. Hoje, todas essas infraestruturas chegam ao Brasil pelo Ceará e se conectam com São Paulo e o Rio de Janeiro. Um deles tem uma conexão com Salvador, mas nenhum com Pernambuco.

Outra macrotendência global que tem fortes implicações em Pernambuco são as mudanças climáticas. Com o risco de avanço do mar no litoral e a previsão de desertificação de parte do interior do Estado, qual o planejamento do Estado para enfrentar esses problemas e surfar nas oportunidades que podem surgir com essa transição? Essa é uma pergunta com algumas sinalizações de estudos técnicos, como o Plano Estadual de Mudanças Climáticas, mas com baixa aplicação.

“Uma parte disso que está se tentando executar hoje é a agenda do Século 20. Já tem alguma coisa do Século 21 surgindo com o Porto Digital, mas a gente está muito atrasado. O fato é que a gente não conseguiu viabilizar a agenda do passado e precisa fazer agora”, afirmou Sérgio Buarque. O Minha Casa Minha Vida e a Transnordestina são exemplos mencionados pelo economista das prioridades dos séculos 19 e 20, respectivamente. “E temos agora a agenda do futuro, do Século 21, que sequer estamos analisando os seus impactos para projetar como enfrentar seus desafios. O processo de transformação digital é avassalador e nós, aparentemente, não definimos uma estratégia. Além da transformação digital, falamos muito sobre os eventos extremos de mudanças climáticas, mas não vejo uma estratégia para lutar contra isso”.

Por causa desta perda de capacidade formulativa, fruto do enfraquecimento das instituições de planejamento, Pernambuco já está perdendo oportunidades contemporâneas. Um cenário difícil de imaginar em um Estado que é seriamente impactado pelas mudanças climáticas e pela voraz revolução tecnológica. O processo de automação da mão de obra com os avanços da inteligência artificial, por exemplo, tendem a ampliar o problema crônico de desemprego no Estado.

CAMINHOS PARA REVERSÃO DO CENÁRIO

Francisco Cunha sugere entre os empresários que integram a Rede Gestão que haja uma espécie de refundação da Agência Condepe-Fidem, com recomposição dos seus quadros técnicos, seja por concurso ou por aproveitamento de profissionais competentes que já estejam na estrutura do Governo do Estado. “Urge restaurar a capacidade pública de prospecção de futuros e de formulação estratégica o quanto antes. A recomendação é refundar o Condepe, reestruturando sua capacidade de pesquisa para o desenvolvimento, planejamento e formulação estratégica pública para o Estado de Pernambuco. Além disso, articulando-o com o Sistema Estadual de Planejamento e deixando-o em pleno funcionamento até o final da atual gestão estadual”, propôs Francisco Cunha.

O economista Sérgio Buarque ressaltou a urgência em começar a requalificar as instituições. “Elas são, em última instância, as pessoas que a compõem. Existem muitas pessoas qualificadas que estão no limite de se aposentar. Alguns não se aposentaram porque estão comprometidos com a instituição. Seria uma perda inestimável para a história do planejamento não fazer uma recomposição, com a ampliação do número de servidores técnicos. Esse seria o ponto para reverter a tendência que hoje é de esvaziar, até o momento de acabar com a instituição”, alertou.

RETOMADA DE ROTA COM PROTAGONISMO LOCAL

Diante dos grandes temas cruciais para o desenvolvimento do Estado, o consultor empresarial Gilberto Freyre Neto, durante o debate da Rede Gestão, defendeu que haja um maior protagonismo dos empresários locais. Ex-secretário de Cultura e de Relações Internacionais, ele considera que algumas das agendas do Século 21, como a concentração dos cabos submarinos, têm maior potencial de atratividade para o Ceará por questões geográficas. Mas a ação da iniciativa privada cearense tem sido importante para destravar os investimentos no Estado.

“Existem empresários no Ceará tratando disso. Quem são os nossos empresários que estão tratando da Transnordestina, que vão usufruir dessa ferrovia? Quem vai operar? Quem é que vai garantir uma carga que sai do ponto A para o ponto B? Não pode ter uma configuração abstrata. Falta esse protagonismo”, criticou Gilberto Freyre Neto.

O diretor da Foz – Centro de Inovação, Philippe Magno, comentou também sobre o setor. Enquanto o benchmarking mais amplo de Pernambuco é feito com alguns vizinhos do Nordeste, ele analisa o mercado de Santa Catarina como um exemplo de planejamento e articulação local a ser observado pelo Recife e por Pernambuco. “Muitos dos problemas de continuidade e de falta de protagonismo que estão em debate refletem também no setor de inovação do Estado. Pernambuco é um dos protagonistas, mas já foi muito mais. A experiência do ecossistema de inovação de Santa Catarina, nos últimos 30 anos, é o oposto do que aconteceu aqui. O crescimento do setor em Florianópolis se deu por meio de uma continuidade e se criou uma conjuntura de instituições privadas, públicas, industriais e de ensino que trabalham de forma articulada, atraindo investimento público e privado. Criou-se política pública municipal e estadual. Pernambuco está perdendo espaço pela falta de continuidade. Eles têm vários centros de inovação, diversas incubadoras e os principais fundos de investimento estão lá, ao lado de São Paulo. Vale o estudo do modelo de Santa Catarina, que já tem boa parte do PIB vindo de inovação”, declarou Philippe Magno.

Sem o planejamento em operação, o Estado segue como um carro apenas com o farol baixo, percebendo, no máximo, com o horizonte do próximo ciclo eleitoral. O que os especialistas alertam é que com o farol alto do longo prazo, muitas oportunidades poderiam ser aproveitadas ou surpresas ruins poderiam ser prevenidas no caminho para o desenvolvimento de Pernambuco.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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