Quilombo do Timbó: símbolo de patrimônio, arte e resistência

*Por Caio Mateus Pessoa, especial para Algomais

“Os teus vales bravios outrora esconderam fugitivos de cor”, esse trecho do hino de Garanhuns já mencionava em sua história os negros que habitavam na região. Na cidade há seis comunidades negras, entre elas o Quilombo do Timbó, localizado a 37 km da zona urbana. Esta comunidade é a menor de todas, mas é grande pelo seu valor cultural, histórico, artístico e com uma igreja singular que é patrimônio de Pernambuco. O Timbó também é ícone da resistência de lutas pela identidade e pelas suas terras.

Ocupando 7 hectares, o quilombo possui ao todo 150 famílias, mas somente 50 estão regularizadas na demarcação de terras e encontram-se na penúltima etapa de titulação realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pelo Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (ITERPE). Os institutos apontam que o Quilombo do Timbó é a menor comunidade negra de Garanhuns.

Além desta, ao todo existem outras cinco comunidades, as quais são: Castainho,Tigres, Estivas, Estrela e Carambirimba (em processo de reconhecimento). O surgimento do Timbó é datado por volta de 1650 a 1700, sendo um mocambo do Quilombo dos Palmares. Esse período se confunde muito com a história da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, pois segundo a história oral de moradores é a capela mais antiga de Garanhuns. Porém, sobre isto precisa de uma investigação arqueológica mais profunda para comprovar a data mencionada.

De acordo com Janine Meneses, pesquisadora e historiadora, é possível afirmar por meio de documentos que a igreja já existia no século XIX. “Essa comunidade me chamou muito a atenção porque a partir da memória dos moradores e do relatório técnico de identificação e delimitação do INCRA sobre o Quilombo, a minha pesquisa identificou que seu fundador mítico, o angolano José Victorino da Conceição Anchieta, comprou suas terras em 1829, período distante da vigência do Quilombo dos Palmares. Hoje a propriedade compõe o trecho de Inhumas, Barriguda, Poço Comprido, Terra Preta e Timbó. No entanto, o padre João Pinto Teixeira tem relação com a demarcação do quilombo e provável relação econômica e social com Victorino, a ser revelada na minha tese de doutorado que está ainda em conclusão. Quando José Victorino morreu, em 1848, deixou no seu inventário a Igreja do Timbó, também na memória desses relatórios o angolano construiu a capela deixando as imagens de Nossa Senhora de Nazaré, Nossa Senhora da Conceição e Jesus. Além disso, existem alguns bens culturais que atestam essa longevidade que são: a casa de farinha, a igreja e o engenho. Portanto, toda essa sua conquista mantém a importância de José Victorino para toda a região de Garanhuns, Pernambuco, Brasil e para o mundo todo”.

A Igreja de N.Sra. de Nazaré tornou-se um símbolo não só de fé dos moradores do Timbó, mas de conexão com a memória afetiva que aquela capela causa naquelas pessoas. Um exemplo disso são várias mulheres daquela localidade que se chamam “Maria de Nazaré”. A capela tem algumas particularidades como a construção de taipa (rústica), piso de terra batida, um cruzeiro de madeira, uma placa com inscrição de 23 cruzes datando 1700 e 1899, que são indícios de prováveis quilombolas enterrados naquele lugar, inclusive o José Victorino. Este e outros fatores foram fundamentais para a igreja tornar-se um patrimônio, como explica Nilson Cordeiro, historiador e relator do processo de tombamento da capela pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC).

“O tipo de sepultamento naquela comunidade é única, pois há um sincretismo religioso do catolicismo popular com religiões de matrizes africanas, no qual ao redor da lápide é possível encontrar uma vegetação chamada de “crote”, espécie de um lírio do brejo que é bastante comum naquela região e isso não se encontra em lugar algum. Também foi fundamental a preservação da igreja do Timbó como patrimônio material e imaterial devido ao seu valor singular de construção, bem como a identidade quilombola por meio de tradições orais quanto de pertencimento daquele lugar e como a igreja liga a vida de todos eles”.

O processo de tombamento foi iniciado em 1986 a pedido do prefeito da época, Ivo Amaral, mas só foi concluído em 18 de fevereiro de 2020 por meio de decreto do governador Paulo Câmara, no qual foi tombado como patrimônio de Pernambuco.

O Quilombo

No Timbó as famílias têm acesso a uma escola rural e um posto de saúde, mas ainda enfrentam alguns problemas como relata Emerson Araújo, líder do quilombo e coordenador estadual de políticas públicas negras. “A gente lutou bastante para poder conseguir educação e saúde. Precisamos ir até o poder público porque eles não vinham até aqui . Ainda estamos na luta por melhorias, pois precisamos ter melhor uma acessibilidade ao local, políticas afirmativas, cotas, emprego e sem falar também da regularização latifundiária. Porque tivemos problemas no início com os fazendeiros que não entendiam o processo de regularização fundiária, mas agora, depois de um processo de luta e conscientização, superamos os impasses e algumas ameaças. Os mesmos estão aguardando o pagamentos das terras no processo de desintrusão”.

A Comunidade é rica em manifestações culturais e em diversas artes. É possível encontrar artesãos como mestre Mauro e Mestre Fida, esse é escultor de peças de madeira no qual suas artes estão espalhadas pelo Brasil e são expostas na Fenearte. Na música tem a tradição do coco com o mestre Juarez , que já se apresentou em diversos eventos ,como o Festival de Inverno de Garanhuns. Ainda no Timbó tem artistas e pessoas que preservam a tradição na cultura popular como: mamulengueiro, ceramistas, benzedeiras e parteiras.

O sincretismo religioso é bastante presente na comunidade onde é possível verificar algumas particularidades. Começando pela igreja que tem a cor azul e comemora a festa de Nossa Senhora de Nazaré que na Umbanda e no Candomblé é representada por Iemanjá. A data comemorada no quilombo é diferente da Igreja Católica, começa a partir de 24 de janeiro e vai até 2 de fevereiro, período também celebrado em homenagem a este orixá onde também  só acontece assim em Nazaré, Bahia (possível local de qual o José Vitorino passou antes de chegar em Garanhuns). Também as imagens deixadas por ele também tem representações nas religiões de matriz africana como N.Sra.da Conceição (Iemanjá) e Jesus (Olaxalá). De acordo com Emerson Araújo, em Garanhuns existem 47 terreiros (urbanos e rurais), dentre eles só existe um dentro do Quilombo do Timbó, o Terreiro de Dona Maria.

Atualmente o patrimônio não está no mapa turístico do site da Prefeitura de Garanhuns. Segundo Araújo, “ tivemos reuniões no início deste ano com o vice-prefeito, Pedro Veloso e o ex-secretário de cultura e turismo de Garanhuns, Givaldo Calado, falando do potencial turístico, melhorias para a comunidade e a reforma da Igreja. Até agora nada foi feito apesar da articulação”.

A Revista Algo Mais procurou a atual secretária de cultura de Garanhuns, Sandra Albino, e ela nos respondeu algumas dessas exigências do líder do Quilombo do Timbó: “O que acordamos com a Secretaria de Planejamento do Município foi a realização do levantamento topográfico de todo o sítio histórico, para que com os dados digitais possamos desenvolver um amplo projeto de requalificação urbana para toda a área que envolve o Quilombo do Timbó. Sobre o Patrimônio, ele é parte integrante da requalificação do Quilombo a restauração da histórica Igreja para posterior inserção do sítio no mapa turístico do Município e da região agreste. Infelizmente, o período chuvoso tem adiado um pouco nossos planos de requalificação daquela área, também por ser um bem tombado, a prefeitura não pode fazer qualquer intervenção sem autorização/avaliação do órgão tombador (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, Fundarpe). Portanto, será necessária cautela nas intervenções, seguindo o que estabelece a Fundarpe, tanto no que diz respeito à recuperação da estrutura, quanto no que concerne à restauração de seu legado arquitetônico, com vistas à preservação, o máximo possível, de suas características originais”.

*Caio Mateus Pessoa é jornalista

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