Templo da música regional

Esses tempos pós-modernos têm provocado situações inusitadas. Se por um lado transforma videolocadoras, aparelhos de fax e máquinas de escrever em peças de museu, por outro, faz surgir os estilos vintage e retrô, inspirados nostalgicamente no passado. Fábio Cabral de Melo, dono da loja Passa Disco, percebeu a contradição dessa “sociedade líquida” e soube tirar proveito: quando todos decretavam a morte do CD e vida longa às ferramentas virtuais para ouvir música, ele inaugurou uma loja física para vender discos.
“Isso foi em 2003”, conta Fábio. Tudo começou quando o cantor e compositor Silvério Pessoa o chamou para uma coletiva de imprensa do seu disco Micróbio do Frevo. “Saí de lá contaminado”, brinca. “Percebi que havia muita gente no Recife lançando CDs, com trabalhos bacanas, mas não existiam lugares para comercializar essa produção”, relembra.
Começou então a entrar em contato com vários artistas que já conhecia graças ao bar Rei do Cangaço que abriu em meados dos anos 90, atividade que dividia com a de jardinagem (embora estivesse sempre ligado à cena musical da cidade, ele na verdade é agrônomo). Sete meses após a coletiva, Fábio abandonou os cuidados com as plantas, comprou o ponto numa galeria no bairro do Parnamirim e abriu a Passa Disco. A loja se tornou ao longo desses 12 anos de existência numa espécie de templo da música pernambucana.
Quem entra na Passa Disco, logo sente que está num local diferente. O ambiente pequeno é decorado de forma criativa que instiga o cliente. O clima retrô fica por conta de rádios e máquinas fotográficas antigas e o regionalismo está presente em imagens de santos, como o Padre Cícero e o artesanato de barro. Tem até um boneco do próprio Fábio. Mas a grande atração são as paredes repletas de mensagens de artistas, clientes e amigos como o escritor Ariano Suassuna, o agitador cultural Roger de Renor, o artista plástico José Cláudio, além de muitos músicos e cantores.

A loja é especializada em discos de música regional e aqui entenda-se todas as variantes musicais do Nordeste, especialmente de Pernambuco, que vai do baião de Gonzaga e Jackson do Pandeiro, passando pela MPB de Zé Manoel, até o rock psicodélico do Ave Sangria e as misturas rítmicas de Chico Science e Nação Zumbi. A diversidade visa atender o ecletismo do seu consumidor que abrange pessoas de 17 a 60 anos.
E, sem perder viés pós-moderno, Fábio também está de olho na onda vintage, por isso, além de vender os saudosos LPs, promove ainda a Feira do Vinil, durante três a quatro sábados por ano. “Muitos colecionadores participam e o público é em sua maioria jovens. O curioso é que os pais deles não têm mais a cultura de comprar vinis”, salienta. Pois é: mais uma contradição da tal pos-modernidade. No entanto, o próprio Fábio mantém um pé na tradição e outro nas facilidades proporcionadas pelo mundo digital. Por isso também comercializa os produtos por meio da loja virtual no site www.passadisco.com.br.
Não é apenas a venda de CD que faz o sucesso da loja. O local também ficou conhecido pelos lançamentos de discos e DVDs de artistas nordestinos, como Elba Ramalho, Dominguinhos, Maciel Melo entre muitos outros. São eventos que atraem um público médio de 80 a 100 pessoas que se espalham pelo pátio da galeria onde está a loja.E tem mais. Com o intuito de incentivar a música pernambucana Fábio criou o selo Passa Disco, que já lançou 8 CDs. “É também mais uma forma de divulgar a loja, porque nos lançamentos dos discos sempre são publicadas matérias na imprensa”, justifica.

ACADEMIA. A loja é também a sede da Academia Passa Disco de Música Nordestina. Essa é outra ideia criativa de Fábio, originada quando ele quis homenagear o amigo, médico, compositor e fotógrafo Paulo Carvalho. “Desde quando comecei a vender os CDs ele me incentivou. Aí pensei que homenageá-lo com uma placa seria algo careta, então decidi fazer a academia”, conta.
Em vez de tomar o chá da tarde, como na Academia Brasileira de Letras, os “imortais” da Passa Disco ganham um quadro em forma de vinil que fica exposto na loja. Nele constam o nome do homenageado e da personalidade que escolheu como patrono. Paulo Carvalho, por exemplo, escolheu Jackson do Pandeiro, e Santanna optou por Accioly Neto. “Os homenageados não precisam ser necessariamente da área musical – como é o caso de Ana Rios, que é designer, e Zelito Nunes, escritor – mas o patrono tem que ser um músico do Nordeste”, determina Fábio, que no entanto, concedeu uma exceção a Anselmo Alves que escolheu o famoso cangaceiro Lampião.
Imortal da Passa Disco, Maciel Melo, aprovou a ideia da academia. “É bacana, mais um incentivo d

e Fábio que sempre afaga o ego dos artistas”, elogia o cantor e compositor que já fez lançamentos na loja e destaca o papel que o local que representa em Pernambuco. “É uma das poucas lojas físicas onde se pode comprar um CD e Fábio zela muito pela qualidade do que vende. Além disso, ele mesmo atende as pessoas. É algo, digamos, mais artesanal”. Na verdade Fábio prefere ser do “bloco do eu sozinho”, isto é, não tem funcionários. “Assim posso oferecer um atendimento personalizado para quem vem comprar”, justifica.
O volume de lançamentos de CDs no mercado fonográfico pernambucano mostra que a Passa Disco tem vida longa. No ano passado foram lançados 220, desempenho que deve ser ultrapassado este ano, mesmo com toda a crise, pois de janeiro a agosto já houve 166 lançamentos.Apesar desses números, Fábio, precavido, afirma que o futuro é incerto. Mas, se tudo que é sólido desmancha no ar, ele no entanto não teme as transformações e investe mais uma vez nas alternativas vintage “Se deixarem de fabricar CD, transformo a Passa Disco num sebo”, soluciona.

(Por Cláudia Santos)

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