“Uma forma de resolver o problema da Transnordestina seria o Governo Federal bancar o trecho Salgueiro-Suape” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Uma forma de resolver o problema da Transnordestina seria o Governo Federal bancar o trecho Salgueiro-Suape”

Um convênio firmado entre os governos de Pernambuco e Federal poderia acelerar a construção da Transnordestina, ao articular todos os players envolvidos no empreendimento, distribuir as responsabilidades de cada um deles e determinar prazos para o término das obras. A proposta é defendida pelo Crea-PE (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco) e, segundo João Recena, membro do Comitê Tecnológico da entidade, essa seria uma maneira de tornar mais concreta a promessa feita pelo ministro dos Transportes Renan Filho de que a conexão para Suape da ferrovia será concluída.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, Recena, que é engenheiro civil e também consultor da TPF Engenharia, salienta que muitos são os desafios enfrentados pelo presidente Lula neste início de mandato e que, por isso, a sociedade civil organizada precisa se manter mobilizada em defesa do ramal do porto pernambucano. Caso contrário, “o trecho Salgueiro-Suape vai ficar na enésima prioridade do Governo Federal e tem tudo para não acontecer”. Recena também afirma que a execução pública da obra da ferrovia é a melhor alternativa para o empreendimento ser concluído com mais velocidade. Confira a seguir a entrevista.

Na sua opinião, quais as chances de a Transnordestina ser construída em seu projeto completo, com as duas saídas, uma para Pecém, outra para Suape, depois das declarações do Ministro dos Transportes, Renan Filho, que assegurou a manutenção do porto pernambucano no projeto?

Acho que existe, realmente, uma chance desse trecho de Salgueiro a Suape ser construído. Mas o contrato hoje com a concessionária só prevê a construção do trecho de Salgueiro a Pecém, então é necessário que o Estado de Pernambuco demonstre interesse pelo projeto. Por exemplo, recentemente a Ministra do Planejamento, Simone Tebet, esteve no Recife colhendo informações sobre as prioridades do Estado para constar no plano Plurianual do Governo Federal. Segundo nos consta, o trecho Salgueiro-Suape foi incluído como uma das prioridades do Estado.

Mas essa insistência deve ser algo a ser destacado permanentemente pelo Governo de Pernambuco, porque o que se imagina, neste momento, é que essa construção passaria por investimento público, ou seja, vai entrar no Orçamento Geral da União. Para isso, essa obra vai competir com várias outras. Não se sabe exatamente o valor que precisaria ser investido nesse trecho, a gente ouve falar de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões. Mas é um bom dinheiro e isso precisa de ser prioridades senão não entra no OGU. Tem que manter a chama acessa, tem que manter a bandeira em pé, tem que haver insistência e cobrança senão não sai, essa é a verdade.

E que tipo de ações o senhor acha que são necessárias, tanto por parte do Governo do Estado quanto por parte da própria sociedade pernambucana para garantir a construção do trecho Salgueiro-Suape?

Acho que por parte da sociedade, há mobilizações, como a que o Crea está fazendo, assim como também a Amcham e a Câmara de Diretores Lojistas, entidades com as quais o Crea já se reuniu para abordar o assunto. A Transnordestina não é um tema que impacte o dia a dia das pessoas, como uma greve dos caminhoneiros, que pode desabastecer a cidade e todo mundo fica ligado. A população não tem uma dimensão exata do que ela representa para o desenvolvimento do Estado, nem o que vai ser transportado nela. Então, as pessoas que possuem essa informação devem estar à frente desse movimento. Cabe especialmente à sociedade civil organizada manter a chama acessa.

Do ponto de vista de execução, de levar o projeto adiante, o que nós , engenheiros, ressaltamos é que é necessário um levantamento da atual situação do trecho Salgueiro-Suape, porque a contratação de uma obra precisa de um projeto. Se a obra está parcialmente construída, é preciso levantar tudo que está construído para contratar o que falta, já não é mais um contrato do projeto inicial. Então, tem que haver um levantamento criterioso para saber qual é o projeto que tem que ser executado para concluir a obra. Sabemos também que essas obras que passam muito tempo sem avanço sofrem deterioração. A chuva, especialmente, deteriora os maciços construídos, os aterros etc.

Acho que deve haver um alinhamento dos governos do Estado e Federal, que poderia passar por um convênio para alinhar as medidas que precisam que ser tomadas, como a contratação de uma construtora, temos que conferir como essa obra vai entrar em Suape, como vão ser encaminhados os projetos dos terminais do porto, seja terminal de grãos ou de minérios. Então precisa de uma articulação de inúmeras ações.

Acho que faria muito bem se nós tivéssemos um convênio entre o governo estadual e o federal para alinhar isso tudo e definir as responsabilidades: quem vai fazer o quê e quem vai pagar o quê. Defendemos que, se é uma obra federal, o Governo Federal deveria aportar os recursos, mesmo que fossem encaminhados pelo Governo do Estado. Por exemplo, na época do primeiro estágio de construção da Transnordestina, alguma coisa como duas mil desapropriações foram estudadas e projetadas pelo Governo de Pernambuco e o aporte de recursos para executá-las foi federal. Então, o Governo de Pernambuco fez uma parte importante que foi estudar toda essa situação de desapropriação, mas quem aportou o recurso foi o Governo Federal. Então acho que um convênio como esse poderia alinhar as obrigações de cada parceiro e tocar a obra para frente.

Essa sugestão do convênio já foi levada ao Governo do Estado?

Tivemos uma reunião no Crea com a presença do secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti. Conversamos sobre o convênio, tentando, inclusive, apoiá-lo. Ele está bastante mobilizado para enfrentar o problema. Sugerimos a possibilidade de se ter esse convênio entre os dois governos para alinhar o que exatamente deve ser feito e, por meio, dele, se poder cobrar a responsabilidade, prazos, recursos etc. de cada parte.

O senhor acha que o modelo mais promissor para concluir o trecho de Salgueiro-Suape seria a execução pública da obra em vez da autorização?

Existe a alternativa levantada de uma empresa privada que se interessasse por essa ferrovia realizar a obra. A Bemisa, que detém o direito à lavra do minério de ferro da região de Paulistana, no Piauí, estaria interessada em levar adiante uma autorização para construir um trecho de ferrovia. O que não está certo é qual seria o trecho, se seria de Salgueiro a Suape. A autorização dela, basicamente, é para construir uma outra ferrovia alternativa, o que achamos que não é fácil, ou seja, se até hoje não conseguimos construir uma ferrovia desde a jazida de minério até Suape, imagina querermos construir duas?

Acreditamos que uma forma de resolver o problema seria o Governo Federal bancar o trecho Salgueiro-Suape. Isso aumentaria a viabilidade da mina, inclusive, porque uma coisa é tentar implantar uma mina que não tem escoamento da produção de minério e outra é já ter a garantia de escoamento. Então essa mina aumentaria muito a sua viabilidade se a ferrovia estivesse garantida e nós acreditamos que uma região, como o Nordeste, precisa de incentivos federais para o desenvolvimento. Por isso, seria mais do que justificável que, se esse ramal de Salgueiro a Suape fosse, realmente, construído pelo Governo Federal, provavelmente se viabilizaria uma importante mina de ferro no Piauí, ou seja, seria um dos maiores investimentos que o Piauí já viu em toda a sua história.

Ao viabilizar a ferrovia para Suape, ao mesmo tempo, viabiliza essa mina, a saída de grãos do Sul do Piauí e do Sul do Maranhão por Suape, viabiliza dois terminais importantes no porto que seriam tocados pela iniciativa privada, um terminal de grãos e outro de minérios. É assim que a coisa anda. Por exemplo, no caso da irrigação de Petrolina, o que o governo fez foi implantar a infraestrutura de uso comum, ou seja, a estrutura que leva água até a porta dos lotes e, dentro dos lotes, cada empresário investe no seu. Numa região que precisa de estímulos para se desenvolver, o governo pode fazer uma parte e a iniciativa privada completar com seus investimentos.

Já foram feitos investimentos em ferrovias como esta anteriormente? Qual a diferença para o escoamento do minério de ferro em Minas Gerais?

Quando o minério de ferro começou a ser explorado em Minas Gerais, o Governo Federal tocou com uma empresa estatal, a saudosa Vale do Rio Doce, a exploração desse minério, a ferrovia (a Vitória-Minas) e o terminal. Tudo concebido como algo integrado pelo Governo Federal e está lá o sucesso que é até hoje. Uma das maiores divisas do Brasil é a exportação daquele minério. E o que acontece aqui? Aqui temos uma lavra de minério na mão de uma empresa, uma ferrovia na mão de outra e, por enquanto, um terminal de minérios que poderia estar na mão de outra ainda. Como combinar os interesses?

Esse é o típico caso em que o Governo Federal deveria concertar esses interesses. Ele tem um poder enorme sobre isso, porque tem o BNDES, o BNB, a Sudene, que financiam esses tipos de investimento. O governo pode muito bem sentar-se à mesa com esses empreendedores, montar um pacote de investimentos e dizer: “você vai fazer isso, você isso e você vai fazer aquilo. Vamos montar aqui um acordo de empreendedores para concluir a ferrovia”.

Com essa coisa articulada, consegue- -se, inclusive, terceiros investidores. Por exemplo, Lula foi à China, o governador do Pará [Helder Barbalho] acompanhou a comitiva e, diz ele, que encontrou um grupo chinês interessado em implantar uma ferrovia no estado dele, para levar grãos de soja para o Porto de Barcarena. Lá existe um projeto concebido e encontra-se um empreendedor que queira investir. Aqui, temos notícia de que não existe um alinhamento entre esses players, então um fica olhando para o outro para saber o que vai fazer e até agora não aconteceu a conclusão da obra. O que aconteceu, para a surpresa de Pernambuco, em dezembro de 2022, no encerramento do governo passado? Ao que parece, em Brasília, o Governo Federal, na área de infraestrutura, sentou-se com a concessionária da Transnordestina e liberou essa concessionária da obrigação de fazer o trecho Salgueiro- -Suape. Essa foi a solução que o pessoal de infraestrutura viu, mas será que o pessoal de desenvolvimento econômico e regional pensaria a mesma coisa? Abandonaria esse trecho sem mais nem menos? Então, acho que deve haver uma concentração entre os vários interesses, entre os vários players e viabilizar a obra.

A Transnordestina está sendo implantada com financiamento de fundos ligados à Sudene, recursos do BNB e do BNDES. Além disso, hoje a empresa federal chamada Infra S.A. é dona de 40% da Transnordestina. Então o Governo Federal tem todos os instrumentos necessários para resolver isso e a gente, como falei, tem que manter a chama acesa, cobrando do Governo Federal.

E qual é a situação que todos sabem? O Governo Lula neste início de mandato está passando por desafios tremendos, como resolver o problema do arcabouço fiscal, entre muitos outros. Se não tomarmos cuidado, o trecho Salgueiro-Suape vai ficar na enésima prioridade do Governo Federal, e tem tudo para não acontecer. Então essa articulação é extremamente importante, o alinhamento entre o Governo do Estado e do Governo Federal permitiria que isso acontecesse.

Se os recursos para tocar as obras já tivessem sido liberados, em quanto tempo o senhor acredita que a Transnordestina teria sido concluída?

Acho que é uma obra que levaria de dois a três anos para ser concluída. Isso porque existem muitos detalhes. Por exemplo, é preciso um projeto de conclusão da obra e o Governo Federal leva de três e seis meses para contratar, levaria mais um ano para ser executado. Poderíamos pensar, quem sabe, no que o Brasil adotou chamar de contratação integrada, em que o governo tem um projeto conceitual e contrata um consórcio de construtora com projetista para fazer a obra. Isso poderia acelerar a execução, ou seja: “o projeto conceitual está aqui, levantamos exatamente o que tem que ser feito e agora nós vamos colocar em licitação”. Os consórcios montados entre construtoras e projetistas apresentariam os seus preços para concluir a obra. Mas acho que seriam necessários uns dois a três anos para a ferrovia chegar em Suape.

O senhor teria mais uma informação que considere importante a acrescentar?

Sim. O Brasil conta com um Plano Nacional de Logística, lançado recentemente, que considera as origens e destinos de cargas para planejar a infraestrutura para seu escoamento. Esse plano trabalha com vários cenários e tem como horizonte 2035. E um aspecto importante para nós é que num desses cenários, uma das infraestruturas previstas é a Transnordestina participando do escoamento de grãos do Sul do Piauí e do Maranhão para os portos de escoamento de Pecém e Suape. O plano, até onde pesquisei, não considera a mina, porque ela ainda não foi explorada. Mas se a mina for incluída, a carga dá um salto e aumenta muito a viabilidade disso.

Uma coisa que talvez valesse a pena comentar é que a existência da carga, como os grãos do Piauí e Maranhão e o minério de ferro a ser explorado na região de Paulistana no Piauí, vai viabilizar a Transnordestina. À medida que essas cargas viabilizam a ferrovia, aparecem outras, como combustível que pode ser transportado da refinaria para o interior do Estado e fertilizantes, que também poderiam trafegar na Transnordestina.

Outro ponto é que há uma proposta para que a Transnordestina venha a se conectar com a ferrovia Norte-Sul, o que conectaria Suape a essa ferrovia, abrindo novas possibilidades, como importar fertilizantes de algum país e transportar de trem para o interior do Piauí ou do Maranhão.

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